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Esperança, fé, vida e representatividade política

Adriana Gerônimo foi catequista e esteve envolvida nas Pastorais Sociais da Igreja Católica; hoje cumpre a Mandata Coletiva Nossa Cara como vereadora na capital cearense

Há 2 anos - por Osnilda Lima
Mandata Coletiva Nossa Cara: LouiseAnne de Santana, Lila M. Salu e Adriana Gerônimo
Mandata Coletiva Nossa Cara: LouiseAnne de Santana, Lila M. Salu e Adriana Gerônimo

Neste Dia da Consciência Negra, trazemos esta conversa com Adriana Gerônimo Vieira Silva, 31 anos, mãe de duas filhas, moradora da comunidade do Lagamar, uma ocupação, no bairro Aerolândia, em Fortaleza (CE). Adriana é assistente social, a primeira pessoa da sua família a ingressar e concluir um curso de nível superior. Ela nos conta que começou sua atuação nas Pastorais Sociais da Igreja Católica, na Arquidiocese de Fortaleza. Motivada pela fé a partir da vivência nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Adriana, juntamente com Louise Anne de Santana e Lila M. Salu cumprem a Mandata Coletiva Nossa Cara (PSOL). O trio conseguiu, nas eleições de 2020, 9.824 votos para vereadora, sendo a primeira modalidade a ser eleita em todo o Ceará. Elas ocupam uma vaga no Legislativo Municipal. Adriana, oficialmente, “nos termos burocráticos”, é quem ocupa a cadeira. Ela também integra a Frente de Luta por Moradia Digna, o Campo Popular do Plano Diretor de Fortaleza e o Fórum Popular de Segurança Pública; foi cofundadora da FavelAfro, cooperativa de mulheres periféricas do Lagamar, e integra o Grupo Jovens em Busca de Deus de Lagamar.

Nesta entrevista, Adriana fala da importância de as mulheres ocuparem os espaços de poder e decisão na política. Ela conta também sobre como sua vivência de fé, ilumina a atuação política, por meio da qual realiza especialmente  a luta por moradia, resistência e defesa dos territórios.

 

Na sua vivência e atuação na Pastorais Sociais, o que a formação religiosa ajuda no fazer política?

Estou na Igreja Católica desde os 10 anos de idade, sou engajada nas Pastorais Sociais, desde então. Sempre nessa Igreja em saída. Fui catequista pelo menos 15 anos da minha vida. Dei uma parada agora, depois que cheguei ao parlamento, por conta do tempo mesmo, muito escasso. E, em meio à Covid-19, a Arquidiocese de Fortaleza definiu por parar as atividades. Estar na Igreja, conhecer o Cristo Libertador, por meio das Comunidades Eclesiais de Base, foi o que me encaminhou para o tipo de política que eu acredito hoje. O Cristo libertador lutou contra todas as formas de opressão. Jesus morreu pelas denúncias que fez e pela luta em defesa da vida. Então, ter atuado nas Pastorais Sociais, beber nessa fonte, é o que pauta toda a minha existência. É o Cristo que me convoca a lutar por um outro mundo, o mundo do bem viver para todas as pessoas, para os excluídos e excluídas que nunca puderam ter acesso pleno aos direitos. Ele, na sua época, trouxe essas pessoas para o centro do debate. E hoje, nós somos chamadas ao compromisso de trazer essas pessoas, para que elas sejam usuárias das politicas públicas sociais.

 

A Mandata Coletiva Nossa Cara enfrenta atitudes misóginas, episódios machistas e racistas nesse espaço politico que ocupa?

Sim, a gente enfrenta muitos tipos de preconceito, muitos de forma velada. As pessoas demoram a perceber que nós somos parlamentares, porque nós não temos esse perfil branco, comum da política. Então, eu acredito que isso se deve ao racismo estrutural, que não vê em nós possibilidade nenhuma de sermos legisladoras. Há muitos episódios machistas dos colegas de não querem dar a nós a possibilidade de fala, ou então, se retratar aos outros parlamentares, quando podem se retratar diretamente a nós. Nas possibilidades de fala, as pessoas ficam surpresas quando dominamos assuntos como orçamento, legislação, ou quando a gente faz algum tipo de pronunciamento mais técnico. Então, os colegas da casa ficam surpreendidos, porque imaginam que de pessoas como nós não sairia aquilo. É muito comum a gente ouvir que a expectativa para a Mandata Nossa Cara era de mulheres mais briguentas, raivosas, mas eles se deparam com pessoas dialogáveis, que não perdem tempo com picuinhas ou brigas. Na prática, não é o que gente representa.

 

Fale da importância de as mulheres ocuparem cargos de poder nos parlamentos, de serem eleitas e terem voz ativa nas tomadas de decisões políticas?

É mais que urgente que as mulheres ocupem cargo de poder nos parlamentos brasileiros. Em todas as esferas: judiciárias e como chefes de estado, como poder executivo, isso porque as mulheres sentem as cidades nas suas diversas formas e opressões. É nítido, por exemplo, como mulheres que estão no papel executivo fazem a gestão das cidades de maneira mais democrática, participativa e real. As mulheres são já a maioria em todos os tipos de políticas públicas. Somos maioria como usurárias do SUS, somos a maioria nas políticas da assistência social, somos a maioria, por exemplo, na política extinta da bolsa família. Mas quando a gente vai ver a gestão dessas políticas, não existem muitas mulheres que ocupam os lugares de tomadas de decisões. Então, se nós sabemos como a política funciona, sabemos os seus desafios, sabemos os erros da política, por que não ocuparmos a gestão dessas políticas? É cada vez mais urgente e necessário que as mulheres, sobretudo as mulheres negras, as mulheres trans estejam em todos os espaços de poder que puderem. Mas para que elas cheguem lá, a gente precisa dar garantias, precisar dar assistência, possibilidades para que consigam, em meio a tanta sobrecarga: com seus filhos, com seus trabalhos dentro e fora do lar, ocuparem esses espaços de decisão.

 

Um dos eixos de vossa vereança é o direito à cidade, acesso à moradia. Na perspectiva do feminino, qual o papel das mulheres nessa luta?

As mulheres – sobretudo as mulheres negras, moradoras dos territórios periféricos e pobres –, historicamente ocupam um lugar de liderança comunitária, na luta pela terra e por moradia digna nos seus territórios. Então, o papel dessas mulheres é histórico, inclusive garantiu o acesso à moradia que nós temos hoje. A luta por reforma urbana foi uma luta das mulheres. Sobretudo, das mulheres negras. Então, esse processo de resistência aos despejos, de luta para garantir terra, trabalho, moradia digna para ela para sua família é para além disso; é um modelo coletivo pensando para toda sua comunidade. Esse é o grande papel das mulheres. As conquistas que nós temos hoje é fruto da luta conjunta de tantas mulheres que ocuparam terras, que lutaram por melhores condições de vida nos lugares onde elas estavam.

 

Em lugares onde não se fazem chegar às políticas públicas, qual a impotência da luta coletiva?

Não existe luta se ela não for coletiva. Individualmente a gente não consegue, muitas vezes, nem cumprir a tarefa, nem chegar muito longe. Então, as lutas populares são coletivas. Isso porque existe a dinâmica a proteção. Quando a gente está junto, a gente se protege. A gente garante uma segurança coletiva. Também ela é muito importante por conta da força! Coletivamente, a gente vira uma massa, a gente vira uma multidão, a gente consegue gritar mais alto, chamar mais atenção. Então, coletivamente a gente trama as lutas e as vitórias para a coletividade. Ele é importante por vários fatores: protege, chega mais longe e porque a vitória é coletiva.

 

A Nossa Cara sofre perseguição por posicionamento contra os despejos. O que move luta da Mandata Coletiva?

Exatamente! A gente já sabia que esse nível de perseguição poderia acontecer, visto que a cidade de Fortaleza é uma cidade muito desigual e, sendo desigual, muitas vezes o município anda de mãos dadas com as grandes construtoras. Isso nunca foi segredo para ninguém. Então, é horrível que empresas que têm contratos – às vezes milionários com a prefeitura –, realizem despejos violentos e isso não gere nenhuma responsabilização. O que nos move nessa luta é a luta por justiça urbana. A gente não pode viver numa capital rica, num município que arrecada muita grana, e ter cidade só para os ricos. O que nos move nessa luta é a justiça! A gente quer terra para todo mundo, a gente quer as pessoas morando de maneira digna, com condições de trabalho para poder manter sua casa e suas famílias. A gente quer que as mulheres grávidas, as mulheres mães, a mulheres negras não passem por despejos violentos, mas que nossa cidade possa investir em habitação de interesse social. Isso não é utópico! Deveria ser prioridades das gestões, identificando que moradia é um direito previsto na constituição. Muitas vezes, os municípios fazem vista grossa a esses problemas crônicos, ainda mais nesse ano que a política de habitação está crise, está em colapso. Não houve nenhum investimento dos governos, tanto federal, como municipal. Os recursos, a previsão orçamentaria para a politica habitacional é uma das menores dos últimos dez anos. Então, o que a gente quer é política de verdade, com investimento com recursos, e com execução orçamentaria. Porque também não adianta ter previsão e esse recurso não ser utilizado na sua totalidade, como é o caso da prefeitura de Fortaleza que nos últimos dez anos não conseguiu executar nem 40% do orçamento previsto para habitação. Então, nesse tempo de colapso com a pandemia da Covid-19, que fez várias pessoas ocuparem terra, por não conseguirem pagar aluguel, por perderem suas casas, a gente precisa investir na política de habitação.

 

Em tempos de grandes desafios, a palavra esperançar mobiliza. Qual sua mensagem às mulheres que estão na luta por seus direitos?

A mensagem da Nossa Cara às mulheres que lutam por moradia pelo Brasil todo é uma mensagem de muita força e de muita esperança. Essa esperança que nos move não é uma esperança parada, não é uma esperança morta. Nós mesmas fazemos o Brasil que a gente quer para nós para nossos filhos. Então, eu, enquanto uma mulher mãe, uma mulher negra, periférica, que mora também numa ocupação, diz para elas: resistam! Não abram mão de lutar. Estamos juntas, mesmo em lugares diferentes, espalhadas por esse Brasil; estamos mostrando que é possível pensar moradia digna, habitação de interesse social de maneira igualitária e justa, para todas as pessoas. Mas sobretudo, para aquelas pessoas que historicamente são esquecidas pelas políticas públicas. E aí a gente foca na política por moradia, porque a gente sabe como ter um teto nos livra de muitas violências, seja quando a mulher passa por violência doméstica, seja quando ela é despejada por conta que não tem como pagar o aluguel. Uma casa nos protege primeiro: a nós e nossos filhos. Então, vamos resistir! De onde a gente está lutando, uma emana força e exemplo para a outra, para que gente não desista, para que a gente esteja cada vez mais unida por uma sociedade mais justa, por justiça urbana e por casa e moradia digna para todas nós.

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