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Luta em favor dos indígenas brasileiros é celebrada neste 7 de fevereiro

Para marcar a data, apresentamos entrevista com a antropóloga Andrea Azevedo, do CIMI, sobre situação atual das comunidades indígenas da Amazônia

Há 2 anos - por Luís Henrique Marques
Luta pelos direitos dos povos indígenas no Brasil conta com apoio da Igreja
Luta pelos direitos dos povos indígenas no Brasil conta com apoio da Igreja (foto por Fotos publicas: Christiano Antonucci Secom-MT)

Para celebrar o Dia Nacional de Luta dos Indígenas, reproduzimos uma entrevista que o editor-chefe da Agência de Notícias SIGNIS fez para o podcast “América em diálogo”, da Editora Cidade Nova. A entrevistada é a antropóloga Adriana Maria Huber Azevedo, coordenadora do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) do Regional Norte 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Esse Regional do CIMI atua juntamente aos povos indígenas dos Estados brasileiros de Amazonas e Roraima. Nessa entrevista, Adriana Azevedo fala dos principais desafios enfrentados pelos indígenas da Amazônia e sobre o papel da Igreja nesse contexto.

 

Eu quero começar a nossa conversa pedindo que você apresente um panorama geral da situação indígena na Amazônia hoje. Quais os principais desafios que esses povos enfrentam na atualidade?

Terras indígenas estão sendo afetadas por projetos ou por políticas de exploração mineral, hoje também de hidrocarbonetos. Um exemplo seria o projeto de extração de potássio pela Potássio Brasil em Autazes, afetando terras do povo moura. Outro exemplo é que atualmente há uma discussão sobre extração de petróleo na bacia sedimentar do Rio Solimões que afeta terra dos cambeba, dos miranha, dos canamari-colina, cocama e outros povos. Há também megaprojetos de infraestrutura como o projeto de asfaltamento da rodovia que liga Porto Velho a Manaus, a BR-319; o projeto de construção de transmissão elétrica da linha Tucurui, de Manaus a Boa Vista, cortando as terras indígenas dos iemiriatuá. Outras terras indígenas da Amazônia são afetadas pelo desmatamento; os exemplos mais gritantes seriam a invasão por madeireiros e grileiros nas terras indígenas araribóia, cepoti e outros. Tem também loteamento ilegal como acontece nas terras do povo caripuna em Rondônia.

 

O que mais você destaca desse quadro?

Existem ainda terras indígenas amazônicas invadidas por traficantes de drogas, o que expõem os indígenas que ali moram a ameaças físicas diretas, tanto pelos traficantes quanto pela polícia. Como exemplo eu cito o massacre por policiais militares que ocorreu em 2020 no Rio Abacaxis, em Nova Olinda do Norte, dentro da terra indígena maraguá, que é uma terra indígena ainda não demarcada. Que terras indígenas sejam invadidas, destruídas e expropriadas, isso é facilitado pelo fato de que muitas delas – concretamente, 410 de cerca de 750 terras indígenas na Amazônia legal brasileira – apresentem ainda pendências nos seus processos de regularização fundiária, o que torna essas terras virtualmente inexistentes; elas se tornam invisíveis nos mapas e nas diversas bases de dados cartográficas oficiais. Os povos indígenas amazônicos, além de problemas com a invasão, destruição e expropriação das suas terras, também enfrentam problemas de acesso a políticas públicas diferenciadas, como educação de qualidade, intercultural, nas suas próprias línguas, e o atendimento à saúde específico e diferenciado. Os povos indígenas, muitas vezes, enfrentam a discriminação e o racismo. Eles são tratados como primitivos, exóticos, pobres, não desenvolvidos e esses povos sofrem também a violação do seu direito garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho à consulta livre e prévia e informação sobre medidas administrativas que afetem a sua vida. 

 

O pouco que o cidadão em geral sabe sobre a situação dos indígenas na Amazônia é apresentado pela grande mídia. O que não tem sido dito por essa mídia a respeito da realidade dos povos indígenas da Amazônia?

Eu diria que a mídia insiste em transmitir uma imagem dos indígenas como pessoas exóticas, antigas, remotas, subdesenvolvidas, pobres, do passado, pouco inteligentes e que vivem atrás da lua, sem saber nada sobre a assim chamada sociedade moderna, com pouca capacidade de análise crítica em relação a mesma. A mídia fala pouco sobre como é o dia a dia das comunidades indígenas que não possuem terra demarcada, sobre as violências cotidianas que elas sofrem. A mídia pouco fala sobre a parcela da população indígena que mora em grandes centros urbanos, sobre a vida dos indígenas que são estudantes universitários, cinegrafistas, advogados, enfermeiros. Fala pouco sobre o conhecimento e análise crítica que fazem das comunidades indígenas rotuladas como sendo de pouco contato em relação à nossa sociedade. A imagem da mídia sobre os indígenas é ainda muito estereotípica. O que não se mostra é os indígenas para além de pessoas que usam enfeites de penas de pássaros na cabeça e que se pintam. Eu vejo que a mídia mostra os indígenas como se fosse uns personagens, umas figuras... uma pessoa com um cocar de penas na cabeça. Os indígenas são muito mais do que isso. A grande mídia não mostra os indígenas como pessoas e como comunidades de pessoas.  

 

O que a Igreja tem feito em favor desses povos da Amazônia?

Eu sou membro do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), que é o órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil que articula a ação da Igreja Católica junto aos povos indígenas. Como eu vejo o papel da Igreja enquanto membro do CIMI? No ano que vem, esse órgão vai completar 50 anos de sua fundação. O CIMI nasceu de um autoquestionamento da Igreja em relação ao papel que ela vinha desempenhando junto aos povos indígenas nos últimos séculos, que era de tentar salvar almas, converter os indígenas à religião católica. Hoje, a Igreja não vê que o papel principal dela é converter povos ao cristianismo.

 

Como você avalia a atuação do CIMI em particular?

O CIMI quer ser um aliado dos povos indígenas que estão lutando pela efetivação do seu direito às suas terras tradicionais. O CIMI tem apoiado esses povos pela demarcação, pela regularização fundiária dos territórios que tradicionalmente ocupam e apoiado os povos pela efetivação dos seus direitos à sua própria organização social e seus próprios projetos de vida que estão sendo ameaçados. Essa luta tem se dado em vários níveis: no judiciário, inclusive no Congresso Nacional está tendo um embate onde há muitos representantes do agronegócio. Os inimigos dos povos indígenas têm tentado desconstruir os direitos que esses povos conquistaram na Constituição Federal de 88. A principal luta que se trata no momento é em manter esses direitos que estão assegurados pela Constituição. Está se discutindo o conceito do que seria tradicionalidade, tentando reduzi-lo. Falando do ponto de vista do CIMI – não posso falar pela Igreja como um todo -, que é o braço da Igreja Católica que trabalha com os povos indígenas, eu diria que a nossa principal atuação tem sido apoiando as lutas dos povos indígenas pela terra.

 

Mudou algo nesse sentido desde a realização do Sínodo da Amazônia?

Na minha avaliação pessoal, o Sínodo foi muito importante no sentido de que reforçou o compromisso da Igreja com os povos indígenas e outros povos tradicionais. Ele provocou muito debate interno, entre vários setores da Igreja sobre diversidade religiosa e de modos de vida. Esse chamado a sermos uma Igreja em saída foi muito importante. Também a encíclica Laudato Si’ do papa foi muito importante, porque ela chamou essa atenção da comunidade como um todo que é a Igreja em relação à importância de vermos nos povos indígenas interlocutores e respeitar e reconhecer a contribuição desses povos para com a humanidade quanto povos que praticam o cuidado com a nossa casa comum.

 

De que forma aqueles que se encontram distantes dessa situação, especialmente os membros da Igreja, podem contribuir na luta a favor dos direitos dos indígenas, em particular da Amazônia?

Eu acho que essas pessoas podem começar tentando conhecer quais povos indígenas que vivem nos municípios delas, quais são as terras ainda não demarcadas nos municípios onde essas pessoas moram. Porque, muitas vezes, as pessoas têm certo fascínio e dizem ser interessante os povos indígenas, mas não sabem que existem conflitos fundiários entre indígenas e não indígenas bem perto da sua casa. E acho que as pessoas podem também contribuir com a efetivação dos direitos dos povos indígenas superando ideias como que indígenas usando celular não é mais indígena; que um indígena morando na cidade não é mais indígena; que o indígena precisa usar cocar de penas na cabeça para ser indígena. Essas podem educar os seus filhos no sentido de respeitarem os indígenas como povos que vivem de uma forma diferente. Eles são indígenas porque se assumem como indígenas e não porque usam ou não celular, porque falam ou não português. Ou seja, respeitar os indígenas como eles são. E, de fato, começar tentando conhecer quais são os conflitos fundiários não resolvidos perto das suas casas e apoiar a luta dessas comunidades pela demarcação dos seus territórios.

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