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Polarização política: artificial e intencionalmente construída

Segundo o secretário-executivo do Cefep Dom Helder Câmara, padre Paulo Adolfo Simões, para além de uma postura polarizada, é preciso escolher o lado do Evangelho, que é sempre o da vida e em favor dos empobrecidos

Há 2 anos - por Luís Henrique Marques
Padre Paulo Simões: sobre política,
Padre Paulo Simões: sobre política, (foto por Arquivo pessoal)

Apresentamos a seguir a quinta entrevista da série sobre eleições e o atual momento político brasileiro, uma iniciativa da Agência de Notícias SIGNIS que tem com o objetivo de contribuir para a reflexão dos cidadãos brasileiros, especialmente a comunidade católica, a respeito dessa importante temática. Dessa vez, o nosso entrevistado é o padre Paulo Adolfo Simões, sacerdote da Diocese de Pouso Alegre (MG) há 25 anos e, atualmente, secretário-executivo do Centro Nacional Fé e Política (Cefep) “Dom Helder Câmara”, um serviço ligado à Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e que trabalha especificamente no âmbito da formação em fé e política, sobretudo a partir das escolas espalhadas por todo o território nacional.

 

Qual é a sua avaliação sobre o atual momento político brasileiro, especialmente da política partidária?

Hoje, alguns especialistas questionam a própria existência dos partidos políticos em nível mundial, se eles de fato respondem a uma exigência de representatividade, se são a melhor forma de representar a sociedade. Essa é a primeira questão: nós temos uma crise no sistema partidário brasileiro que é fruto da legislação, da cultura, mas há também um questionamento mundial sobre isso. O que nós percebemos no quadro partidário brasileiro é que há poucos partidos que têm um programa sério e que os seus filiados, quando ocupam cargos públicos, levam isso a sério. Podemos resumir a dois ou três casos, se existirem. Essa é uma questão muito complicada. O que funciona mais vezes em todos os legislativos, sobretudo, são as chamadas bancadas, como a famosa bancada BBB, “da Bala, do Boi e da Bíblia”. São grupos de interesses que se unem com parlamentares de diversos partidos. O partido representa muito pouco no Brasil. Outra coisa que se percebe e até agora todos os governos têm usado disso são os chamados “partidos de aluguel”. Alguns são criados especificamente como linhas auxiliares dos partidos que estão no poder e outros para representar interesses corporativos, que defendem bandeiras muito claras. Eu não tenho o dado exato agora, mas há um tempo, além do número exorbitante de partidos que temos, havia uma lista de mais de 60 partidos pedindo reconhecimento. Então, é algo muito sério. Sobre essa lei da federação partidária podemos fazer diversos questionamentos, mas, de certa maneira, ela possibilita a união de partidos que têm um mesmo campo de pensamento e ideologia. Essa lei pode possibilitar a futura fusão de alguns partidos. Com todos os senões que se tem em relação à federação, ela abre uma janela para uma possibilidade diferente. Ou seja, teríamos que reinventar os partidos em nível mundial e, sobretudo, em nível de Brasil.

 

Para além desse quadro, quais as principais demandas políticas, econômicas e sociais que os futuros eleitos devem começar a levar em conta para começar os grandes problemas que o Brasil enfrenta hoje?

O Cefep, ao lado de outros parceiros como a Rede Brasileira de Fé e Política e o Conselho Nacional do Laicato no Brasil (CNLB), está elaborando um material de conscientização que se chama “Encantar a política”. Esse material, que foi assumido e vai ser recomendado pela CNBB, tem como fundamento a Fratelli Tutti, um dos documentos mais importantes do papa Francisco. Ali vamos ter vários elementos a respeito dessa questão. Mas eu parto do princípio de que, para quem tem fé, sobretudo quem é cristão, a premissa é o Evangelho. E é o Evangelho da vida, que está em João, capítulo 10, versículo 10, em que Jesus diz: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”. Toda as ações de Jesus são no sentido de promover a vida. Ele vem como emissário do Pai para propor o Reino de Deus ou Reino dos Céus, que consiste num projeto de vida plena. Dito isso, olhando para o nosso País, eu vejo que aquilo que os candidatos e candidatas a qualquer cargo público deveriam levar em conta e sobre o que os eleitores deveriam estar de olho, primeiro, é perceber que nós temos no Brasil historicamente uma questão muito séria, que só mais recentemente tem sido debatida, que é a questão da escravidão, primeiramente dos povos indígenas e, depois, dos povos africanos que foram trazidos para cá. A consequência da escravidão para o nosso País é a imensa exclusão social e econômica que nós temos. Precisaríamos de candidatos que apostem em diminuir essa exclusão. Nós poderíamos pensar em quem defende sobretudo os direitos dos povos originários, a começar pelos indígenas, os descendentes dos africanos escravizados e pensar também nas outras minorias marginalizadas: as mulheres, as populações de rua, as populações LGBTQ+, enfim grupos cujos direitos não são respeitados.

 

Isso tudo se soma às grandes demandas da população em geral...

Sim! De fato, outra questão que é importante ser levada em conta são as grandes demandas sociais que temos como aquilo que o papa Francisco costuma chamar de “casa comum”, que se estende para além do planeta Terra, onde há vida. Sabemos que a maneira predatória que tem motivado toda essa exploração gananciosa leva à morte do planeta. Leonardo Boff tem dito sempre que a exploração dos recursos naturais não renováveis como tem sido feita já coloca o planeta no “cheque especial”. Outros recursos renováveis precisam de tempo para serem recuperados. Trata-se, portanto, uma atenção à ecologia integral. Isso fundamental para garantirmos a vida hoje e daqueles que virão depois de nós. Para isso, é preciso pensar num sistema econômico que inclua esses excluídos, que acolha essas pessoas, e em políticas sociais que garantam os direitos para que todas as pessoas, mas de maneira especial aquelas que estão excluídas do sistema econômico, possam viver com dignidade. Aqui, uma experiência interessante que começa na América Latina, na Bolívia e que me parece segue hoje para o Chile, que é uma mudança de visão de Estado-Nação. Esses países propõem Estados plurinacionais, como é o caso do Brasil, que não é uma nação só. Somente na Amazônia, entre os povos indígenas, temos centenas de línguas sendo faladas. Se formos olhar os povos que foram trazidos da África, tem outras línguas também. Isso sem falar na questão cultural. Precisamos pensar num modelo plurinacional.

 

Algo mais?

Sim. Outra coisa que eu considero importante, embora isso seja muitas vezes de compreensão mais difícil, menos palpável, é que precisamos pensar em políticas que defendam um projeto nacional, de não submissão ao capital financeiro internacional e aos imperialismos que mudam de mão, mas continuam existindo. O Brasil é um país que, pelas suas dimensões territoriais, pelas suas riquezas naturais, pela riqueza do seu povo, que é multicultural, extremamente criativo e muito acolhedor, capaz de construir um estado plurinacional forte, que seja liderança na América Latina e no mundo como foi demonstrado nos anos de governos populares no início deste século. Mas que faça uma liderança regional e internacional que seja diferente daquelas que nós temos, que não seja autoritária, mas inclusiva, que seja solidária, que respeite outro, que seja plural. Acho que esses são os elementos que precisamos lembrar quando pensamos nos candidatos ao Executivo e Legislativo.

 

Pensando mais especificando no perfil dos candidatos, quais características fundamentais é sempre bom o eleitor lembrar no momento de dar o seu voto?

Uma primeira questão importante é votar em alguém da sua classe, do seu próprio grupo. Não vamos ter ilusão de que outro setor social vai defender as nossas causas. Isso é pura ilusão. Eu, particularmente, hoje, decido o meu voto a partir de candidatos dos grupos minoritários da sociedade. Por exemplo: votar em mulher negra, votar em indígenas. É um grande avanço votar em populações que precisam de atenção, como eu dizia nas questões anteriores. Eu mesmo como homem branco voto numa mulher negra e em indígenas. O segundo ponto é que essas pessoas que se apresentam como candidatos tenham compromisso com a sua classe. Porque a pessoa pode ser também de uma classe, de um grupo étnico-social e econômico, mas estar comprometido com outros grupos. Então, precisa ser alguém que tenha compromisso com as lutas e necessidades dos seus grupos originais e do eleitor. Que sejam candidaturas construídas, na medida do possível, coletivamente e não apenas projetos individuais, mas que sejam projetos coletivos. Há muitos políticos, muitos candidatos que têm ideias e propostas muito boas, mas quando constroem isoladamente as suas candidaturas, ao chegar ao mandato, não conseguem cumprir aquilo que prometeram. Sabemos o quanto isso é complexo. Uma experiência muito interessante que temos debatido aqui no Cefep e em outros espaços que são a das candidaturas e mandatos coletivos. É algo novo que surgiu, que a legislação eleitoral acolhe. É um momento de fazer experiência; então, precisa ser estimulado, valorizado. Aliás, eu colocaria que o meu voto pessoal é o coletivo de mulheres negras ou de pessoas indígenas. Seria muito interessante! Se a candidato já exerceu mandato, é preciso observar como ele se comportou, porque temos algo claro a ser verificado. Temos pessoas que têm excelentes ideais e propostas, fazem uma luta bonita, mas quando no exercício do mandato, não conseguem executar. E temos também pessoas que nem sempre defendem claramente essas lutas, esses pontos de vista, mas quando exercem o mandato, têm uma sensibilidade ou, ao menos, são pessoas de diálogo. Então, imaginando que encarar para uma realidade muito específica é olhar para isso: a pessoa que é candidata, independentemente do que defende teoricamente, quando exerceu esse mandato ou cargo público, ela foi pessoa de diálogo, atendeu as demandas, acho que é um candidato ou candidata séria, que precisa ser levada em conta.

 

O debate político se intensifica naturalmente no período eleitoral. Porém, nos encontramos num contexto muito polarizado. Como realizar esse debate necessário com um mínimo de sobriedade e serenidade?

Primeiro, acho que é preciso definir muito bem o que é essa polarização que está na nossa sociedade, hoje. É uma polarização extremamente artificial e construída. Não temos, por exemplo, dois extremos polarizados. Nós temos sim uma extrema-direita, que defenda a volta da ditadura, que defende o capital financeiro internacional. Não temos uma esquerda defendendo luta armada nem estatização de bancos estrangeiros e privados. Como já disse, a polarização que temos é muito clara: é uma construção política intencional que surge como uma reação de uma elite que historicamente surrupia os recursos públicos por vários meios, inclusive através do pagamento dos juros da dívida pública, que nunca foi auditada. Esse grupo quer manter os seus privilégios. É uma elite muito pequena, talvez menos de 10% da população. Esse grupo, nos governos populares no início do século, na década passada, se viu ameaçado diante de outro projeto de construção nacional, de um projeto desenvolvimentista, social, que pretende ser inclusivo e popular. A polarização, para mim, se dá nisso. Diante disso, cito duas frases de dois grandes bispos brasileiros, que nos ajudam a nos posicionar enquanto cristãos, católicos e pessoas de bem. A primeira frase é de dom Pedro Casaldáliga: “Na dúvida, fique do lado dos pobres”. Precisamos estar do lado dos pobres. Estar do lado dos pobres no Brasil é estar do lado da imensa maioria; os de fato ricos são apenas 1% da população. Depois, a outra frase é de dom Helder Câmara, que é o patrono do Cefep: “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo, mas quando questiono as causas da pobreza, me chamam de comunista”. As encíclicas do papa Francisco – principalmente Laudato Si’ e Fratelli Tutti – chamam a atenção para isso. Primeiro, nós precisamos ter lado claro um lado e esse deve ser o lado do Evangelho, o lado da vida, o lado dos pobres. O Evangelho tem um lado claro, não sobra dúvida. Voltando à pergunta, a sobriedade é tentar furar a bolha que nós estamos e não cair nas malhas das discussões sem sentido. Eu falo isso para dizer o seguinte: dialogar com quem está disposto a dialogar. Sempre é possível o diálogo, sempre é necessário que as comunidades busquem o diálogo, mas com quem quer dialogar. Com quem não quer dialogar, quem não nos ouve, quem não nos respeita, quem não nos leva em conta é perda de tempo. Então, devemos valorizar aqueles que querem dialogar.

 

Mesmo entre quem deseja dialogar, há limitações. Inclusive porque muitos de nós parece não saber dialogar quando o assunto é política. Nesse sentido, não lhe parece que a Igreja perdeu um pouco esse trabalho de base de fomentar o diálogo, o exercício de reflexão crítica em conjunto?

Eu concordo que a Igreja no passado já trabalhou mais essa questão, sobretudo na formação política. De fato, falta muita formação política e sobra desinformação política. Outra questão que dificulta o diálogo no campo da política é que essa não é racional, é paixão. Quando a pessoa está apaixonada, ela perde a capacidade de reflexão. Por isso eu apontei antes que não adianta querer dialogar com quem não quer fazê-lo. A pessoa já tem ponto de vista próprio, já está apaixonada e, nesse caso, é perda de tempo. Agora, quanto ao trabalho de base, não é trabalho para um ano eleitoral, mas é um trabalho de sempre. Eu já citei aqui o projeto “Encantar a política”, que está sendo construído pelo Cefep e diversos parceiros, que não quer ser um projeto somente para o ano eleitoral. É um projeto de conscientização das eleições de 2020 que nós construímos com um pequeno grupo de parceiros e que foi se ampliando. Ele tem outras vertentes que inclui um curso para quem quer ser candidato: sobre planejamento de campanhas eleitorais, uma parceria nossa com a Escola Casa Comum da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Ele também dialoga com o projeto de formação, que é uma parceria do Cefep com a Comissão Episcopal Pastoral Sociotransformadora da CNBB e a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), que é a formação da dimensão social da Doutrina Social da Igreja. Estou dizendo tudo isso para chegar no seguinte ponto: o Cefep acompanha hoje quase 100 Escolas de Fé e Política locais e outras estão surgindo. No final de abril, inclusive, vou fazer a aula inaugural da Escola Irmã Dorothy Stang, da Diocese de Campos, no Estado do Rio de Janeiro. Esses grupos locais, essas Escolas de Fé e Política, os grupos de fé e política ligados ao Conselho Nacional do Laicato no Brasil, a Comissão Justiça e Paz no Brasil dialogando com outros grupos que fazem a mesma coisa é que são fundamentais.

 

São novos tempos...

Sim! Nós precisamos olhar para frente. Aquele tempo em que a Igreja quase como um todo encampava esse discurso passou e não volta mais. Temos que olhar para frente e trabalhar com os nossos grupos. Aqui tem uma coisa muito interessante que é o diálogo com outros setores da sociedade. Por exemplo: no curso de planejamento de campanhas eleitorais, já temos diálogos com escolas do mesmo tipo de alguns partidos políticos ou grupos e com movimentos sociais como o Movimento dos Sem Terra (MST) e outros. A ideia é trabalharmos juntos com quem trabalha candidaturas no campo popular, para que consigamos construir um consenso mínimo e possamos caminhar juntos. Temos também, no campo evangélico, diversos grupos e setores que se somam a essa formação política. O Cefep trabalha, desde quase o seu início, lá pela terceira turma do curso nacional, com a Igreja Batista, de Coqueiral (PE), que é uma grande parceira. Tem escola em Pernambuco, tem a Escola dos Sertões, tem uma escola na Bahia e tem Escola Ecumênica em Maceió (AL). Então, precisamos unir todas as forças que, a partir da fé, trabalham o campo popular, o campo que luta pelas causas sociais. Isso é muito importante.

 

Nesse sentido, o que você pode dizer mais a respeito do projeto “Encantar a política”?

Eu gostaria de dizer que o projeto “Encantar a política” quer ser um grande projeto nacional, que cumpre um pouco essa função, esse papel de discussão nas bases, nesse momento eleitoral. Ele vai ser lançado oficialmente no dia 28 de abril no evento virtual noturno, durante a 59ª Assembleia Geral Ordinária da CNBB. Teremos também em maio uma oficina presencial para os nossos parceiros em Brasília no final de semana e, depois, promoveremos outras oficinas que poderão ser remotas e virtuais. Esse projeto conta com um caderno, um texto-base, que vai ser disponibilizado em formato impresso, mas também poderá ser baixado da Internet, de uso gratuito e de vários outros materiais, como pequenos vídeos, que trabalham cada capítulo. Esperamos que esse material seja divulgado o mais possível nas bases para que possa alimentar e subsidiar essa discussão. O pequeno sumário desse projeto apresenta 5 temas, como eu disse, fundamentados na Fratelli Tutti e voltados à formação, isto é, criar na pessoa uma consciência sobre a política, partindo do ponto de vista da fé, do ponto de vista cristão e segundo o papa Francisco. O primeiro capítulo: “A universalidade do amor cristão”; segundo: “A amizade social e a ética da política” e aqui há uma coisa muito interessante, pois, para o papa Francisco, toda amizade e todo amor social pode se transformar numa ação política que é muito mais abrangente; [terceiro capítulo] “As grandes causas do Evangelho”: o que de fato é fundamental para quem acredita no Evangelho; [quarto capítulo] “Cuidar da casa comum” e, por fim, o quinto [capítulo] “Eleições e democracia”: muito mais do que voltar-se para a eleição e os candidatos, é preciso defender a democracia. Esses são os pontos que estão no projeto “Encantar a política”, o qual esperamos possa ser uma contribuição dentre outras para toda essa situação que vivemos.

 

Religião e política: como é possível uma relação saudável e o que atrapalha essa relação?

Essa ideia – que é quase um senso comum – de que fé e política não dialogam é algo construído, que tem interesses muito claros: que as pessoas de fé, sejam elas cristãs ou não, não interfiram na política, segundo o ponto de vista da fé. Por quê? Porque quase todos os credos, senão todos os credos, vão ter posições políticas, apresentadas nos seus textos-base – para nós cristãos, a Bíblia – pelas quais defendem a humanidade, a solidariedade, a fraternidade, a igualdade e, de certa maneira, os credos todos vão contra o status quo que está aí. Então, favorecer o divórcio entre fé e política é algo intencional. É igual a pobreza no Brasil: é uma realidade construída, não é por acaso. Esse é um ponto muito importante de ser considerado. Depois, o que vários estudiosos defendem é que toda fé é política, inclusive por aquilo que já coloquei aqui. Você pega, por exemplo, Jesus que fala do Bom Samaritano e a postura Dele diante da mulher surpreendida em flagrante adultério. Essas são posições claramente políticas. Não tem como você ser uma pessoa de fé, divorciada da política. Quando a pessoa acha que está separando fé e política, ela apenas está sendo instrumentalizada por alguém que tem interesse de que a política não mude de rumo. Porque se a pessoa de fé – insisto, seja ela cristã ou não – de fato compreende a sua fé, vai ter uma atuação política, seja partidária ou em outros espaços, ou simplesmente por opção de voto, que vai mudar essa realidade. A Doutrina Social da Igreja e o Movimento Fé e Política, uma característica do Brasil e da América Latina, trazem alguns elementos muito importantes nessa reflexão.

 

 

Quando a fé política ajuda na construção de um país, de uma nação e quando não?

Ela contribui quando a relação entre fé e política seja, de fato, uma relação de fé e política e não de Igreja e Estado. Aqui tem uma diferença. Qual é essa diferença? A relação entre fé e política é pautada sempre por princípios que vêm da fé (que normalmente são a favor dos pobres). A relação entre Igreja e Estado é uma relação de interesses corporativos. É claro que nos dois campos há muitas nuances e pode ser que uma relação entre Igreja e Estado possa trazer muitos elementos éticos, de bons princípios. E o contrário é verdadeiro. Mas normalmente não é isso. Então, defendemos uma fé política que de fato se pauta em princípios, em favor dos mais pobres, dos empobrecidos, daqueles que são deixados de lado. É interessante lembrar aqui que a Igreja Católica sempre defende o Estado laico e que, por ser laico, possa acolher todas as iniciativas religiosas, possa acolher toda fé. Esse é outro elemento muito importante. O que campo católico vive no Brasil hoje é algo muito complexo e mereceria uma reflexão mais profunda. A realidade que encontramos, que não é do atual governo do Brasil, mas vem dos governos anteriores, é que diversas igrejas evangélicas e vários elementos do campo evangélico (um campo muito matizado, muito complexo) estão ocupando espaços nos governos, seja no Executivo, no Legislativo, no Judiciário, também nas universidades. A Igreja Católica ainda possui uma mentalidade de cristandade, que é também de algumas igrejas evangélicas históricas, e ainda tenta ocupar um espaço institucional nos governos, ou ao menos, no debate público, para rivalizar com os evangélicos. Eu acredito que essa é uma batalha perdida e ela nem se dá por aí. O que é preciso fazermos hoje? Ampliar a nossa compreensão do que é fé, do que é política, do que é atuação. Como eu disse antes, nós temos no campo evangélico uma diversidade muito grande e temos diversos grupos, como a Igreja Batista, de Coqueiral, que participa do Cefep, do Movimento Fé e Política nacional, e vários outros (temos os Evangélicos por Estados de Direito), que somam à ideia de um país inclusivo, que defende os pobres. Acho que a discussão deve dar-se por aí. Estou citando mais o campo evangélico, mas precisamos ampliar, olhar para todos os campos religiosos e somar a nossa força a partir da nossa crença, fundamentada no Evangelho, com todos os grupos, até mesmo os que não têm fé, mas defendam os empobrecidos, as minorias, que defendam a “casa comum”, que defendam um país acolhedor. Penso que esse é o caminho. Nisso tudo vale a paz, o diálogo, a compreensão, com muito cuidado para não ficarmos em discussões inúteis com quem não quer dialogar, quer apenas cooptar ou já tem ideias próprias. Aí gastamos nosso tempo e não temos nenhum resultado.

 

Algo mais para concluir?

É sempre importante participar. Às vezes, encontramos muitas pessoas que dizem que não participam de partido político, não são filiadas, não fazem campanha nem sequer se preocupam muito com as eleições, porque não entendem muito, se sentem inseguras, já fizeram opções que se mostraram erradas etc. Veja: não podemos ter medo de errar. Devemos tomar uma atitude, fazer uma opção. Se depois erramos, reconheçamos o erro e caminhemos em frente. É importante não deixar de participar. Há uma frase – de cujo autor não me recordo o nome agora – que diz que o que preocupa não é a ação dos maus, mas o silêncio ou a omissão. Conhecemos pessoas que começaram na vida política, seja política partidária e eleitoral, num campo complicado e depois migraram para outro campo. O ser humano é capaz disso. Não deixe de participar (e de participar ativamente, sempre na dimensão do diálogo), de pensar que você pode não estar certo e outro pode ter razão.

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