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Política exige formação e militância

Para Jonhson da Silva, coopresidente do Movimento Político pela Unidade no Brasil, o aprendizado político do cidadão implica, entre outras demandas, a luta por políticas públicas

Há 2 anos - por Luís Henrique Marques
Jonhson Pinto: militância e esperança
Jonhson Pinto: militância e esperança (foto por Arquivo pessoal)

Concluímos a série de entrevistas sobre o atual momento político brasileiro e as eleições deste ano com a entrevista com Jonhson da Silva Pinto. Ele se define como um militante político, embora na sua terra seja identificado como uma liderança comunitária. Mas ele não gosta muito de usar esse termo, porque também essa expressão ficou desgastada com o passar do tempo. Além disso, a sua atuação ultrapassou o âmbito da Ilha Santa Terezinha, no bairro Santo Amaro, na periferia do Recife, para se estender para toda a capital pernambucana. Na prática, ele se considera um “porta-voz”: a sua comunidade lhe apresenta as demandas e ele as encaminha para quem precisa recebê-las. Jonhson é também copresidente de uma articulação nacional intitulada Movimento Político pela Unidade (MPpU), uma das expressões civis do Movimento dos Focolares, fazendo parte da primeira diretoria dessa organização eleita por voto direto. Ele é ainda membro do Conselho Distrital de Saúde em Recife, organismo que tem se empenhado em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS).

Ao avaliar o atual momento da política brasileira, Jonhson fala da importância da formação e militância do cidadão em política, sobre as demandas principais que existem em função desse contexto, da relação dos movimentos sociais com a grande massa da população pobre, entre outros assuntos. Confira, a seguir, a entrevista:

 

Qual é a sua avaliação geral do atual momento político brasileiro?

Este é um momento muito delicado, creio que todos nós concordamos, porém, tenho a impressão de que ele reflete que já existia na sociedade brasileira, mas que, de certa forma, estava encoberto. Há um romantismo de que o brasileiro é um povo pacífico. É verdade que somos pacíficos, mas se considerarmos a parábola do Evangelho sobre “o joio e o trigo”, veremos que no meio do nosso povo também há o “joio”. O fato é que faltava que alguém desse voz a esse “joio” e esse alguém assumiu o poder político no Brasil, o que acabou nos levando ao caos em que nos encontramos. Isso tem a ver também com a falta de uma educação política de base, porque, quando falamos de educação, sempre recorremos à escola e à academia. Aos 60 anos, tenho descoberto que a escola e a academia informam, mas não formam. A prova está, por exemplo, no fato de vermos muitas pessoas que estão no ensino superior e que entram no ônibus chupando uma goma de mascar, pegam a embalagem desse doce e jogam pela janela. Veja: elas já chegaram ao nível superior da educação formal, mas ainda não têm educação, porque estão poluindo a rua. Aí você múltipla esse papelzinho que foi jogado pela atitude semelhante de milhões de estudantes no Brasil todo. Isso se reflete também na política. Falta uma educação de base, que vem sobretudo com a militância, com a participação ativa na sociedade. Se você participa, sabe quem é quem. Por exemplo: se você participa numa luta em defesa da habitação, vai conviver com pessoas do Conselho de Defesa do Desenvolvimento Urbano, isto é, com aquele que precisa da casa e aquele que especula o terreno para construir mansões para quem pode pagar. Então, num período de eleições, você vai conhecer quem é quem, porque já tem essa convivência, que não se consegue na universidade e nas vias eleitorais tradicionais. Então, a avaliação que eu faço é que nós chegamos onde chegamos porque somos carentes dessa educação de base que levaria a uma formação política adequada. Como não temos essa educação e não temos essa formação política, somos facilmente convencidos por certos discursos políticos. Como temos uma cultura religiosa muito arraigada, embora sejamos um Estado laico, uma pessoa que começa a falar de Deus e da família segundo um conceito bem tradicionalista, acaba conquistando nosso voto com facilidade, mesmo que, na prática, ele não tenha nada a ver com isso. Por isso, eu acho que o momento em que nós estamos vivendo é fruto dessa nossa falta de educação e formação política, que é consequência da falta de educação de base.

 

A propósito do “joio”, como você descreve os principais “pecados” ou problemas que contaminam as relações em sociedade e produzem uma política ruim?

Como o “joio” é muito parecido com o “trigo”, nem sempre é fácil distinguir um do outro; tem que ter uma vivência muito íntima com a “plantação”. Então, por exemplo: um sujeito chega e diz que é defensor da família, que vai defender a geração de empregos etc. Então, votamos nessa pessoa, acreditando que ele vai defender isso. No entanto, ao assumir a cadeira no Congresso, ele vota, por exemplo, numa reforma trabalhista que corta vários direitos dos trabalhadores. Com isso, ele acaba ajudando a gerar o subemprego, o desemprego em massa; as pessoas se submetem àquilo que eu costumo chamar de “escravidão moderna” que é, por exemplo, quem trabalha como entregador de aplicativo... Me dá uma dor muito grande quando encontro esses rapazes nas ruas, correndo na bicicleta, “se arrebentando”, passando no sinal vermelho etc. para entregar comida nas nossas casas; muitas vezes, estamos confortáveis em casa, assistindo um filme em família, ligamos para um restaurante e pedimos comida e o rapaz vem. De repente, a comida atrasa e ligamos para o restaurante reclamando. O restaurante responde que acabou acontecendo um pequeno problema, mas já estão resolvendo. O problema é que o rapaz que estava vindo com a comida foi atropelado... Isso é só um exemplo, mas uma situação muito comum: o rapaz foi atropelado; está lá estirado no chão, esperando o SAMU, quando não o IML e o dono do restaurante não tem nenhuma responsabilidade com esse rapaz, porque ele não empregado do restaurante, não é empregado de quem pediu a comida e a empresa pela qual ele faz a entrega também não tem nenhuma responsabilidade por ele. Mas o “joio” na política disse a esse jovem que ele ia se tornar empreendedor, dono do próprio horário, não teria ninguém que mandasse nele. Esse jovem foi iludido com esse discurso e acreditou que era verdade. A verdade é que ele acabou se tornando um “escravo moderno”. Esse é um dos exemplos de “joio”, porque o sujeito fez o discurso bonito, contundente, convincente e as pessoas embarcaram nessa. Ou então, esse “joio” defendia a família, mas corta recursos para a habitação popular, por exemplo. Então, para as famílias que não podem ter casa, que não podem pagar um aluguel, que defesa de família esse sujeito fez? Eu teria vários exemplos. Mas isso é só para dizer que nem sempre é fácil saber o que está por trás do discurso do “joio”. Como saber que esse sujeito não estava falando a verdade, que estava defendendo outros interesses para entrar no Congresso? Eu vou saber militando, porque essa pessoa não vai, por exemplo, aparecer no conselho municipal de saúde para defender o SUS, porque ele vai defender o plano de saúde privado. Ele vai aparecer no conselho de desenvolvimento urbano para alterar a lei municipal para aumentar o tamanho dos prédios. Aí eu vou conhecê-lo.

 

Considerando esse contexto, quais são as principais demandas que você julga importantes serem consideradas pelo cidadão, especialmente levando em conta que estamos próximos a novas eleições?

Como eu falei, o grande problema é a educação. O nosso grande desafio, hoje, é votar em defesa da democracia. Essa é a primeira coisa para mantermos o pouco de democracia que nós ainda temos, porque a nossa democracia é ainda muito “capenga”, insipiente. Mas é o que temos. E esse pouco que temos está sendo ameaçado. Esse é o tipo de discurso que o povo não entende. O meu vizinho que está saindo para trabalhar, para fazer um biscate, não vai entender esse discurso. Democracia para ele é comida na mesa. Democracia para ele é ser atendido no posto de saúde. Democracia para ele é ter um trabalho. Atrelado a isso – outro grande desafio – é justamente a defesa das políticas públicas para combater a miséria que voltou a reinar no país. Tínhamos conseguido tirar o país do mapa da fome, conseguimos alguns avanços. Havia pobreza, mas não havia mais miséria. Tínhamos conseguido superar isso. E havia um caminho no sentido de, cada vez mais, combater a pobreza. O desafio, hoje, é resgatar essa conquista, porque, quando se está com fome, não se entende outra linguagem a não ser a comida na barriga. Infelizmente, estamos voltando a estaca zero: voltar a combater a fome, a botar comida no prato das pessoas. Então, o desafio é descobrir nas candidaturas que estão aí, o que eu não acho que seja tão difícil, aquelas que focam no resgate e no fortalecimento das políticas públicas. Além disso, é preciso pensar um Legislativo que apoie o Executivo nessa direção e, ao fazer esse resgate, começar a investir numa educação libertadora, não alienante. Porque, o que nós temos no Brasil é realmente um sistema educacional – em todos os níveis, do fundamental ao superior – que seja libertador, que forme e não apenas informe.

 

A propósito dessa cidadania ativa de que você fala, existe uma história no Brasil dessa militância, da ação dos movimentos sociais como o movimento negro, dos indígenas e outros, muitos dos quais ligados à Igreja, mas não há um distanciamento deles em relação à grande maioria da população, justamente porque o povo está focado em suprir as suas necessidades de sobrevivência? Você reconhece esse distanciamento?

Eu vejo isso e tenho um exemplo claro a esse respeito. Um ou dois anos atrás houve toda aquela movimentação nas ruas em defesa da universidade pública. Ali, eu via todo um processo e comecei a observar: a defesa da educação não contava com o povo. E aqui deixo claro: o povo é o que se costuma chamar as pessoas que são da periferia, os pobres, que não tiveram realmente acesso à educação. A minha geração é a geração que, quando conseguia concluir o segundo grau (hoje, ensino médio), era motivo de orgulho para as famílias. Era o máximo que se podia chegar, porque tínhamos que trabalhar para botar comida em casa. Então, de fato, há um distanciamento entre certos movimentos no Brasil, que são organizados sobretudo por setores da classe média, identificados com a esquerda, os quais, porém, não têm o convívio com as massas mais pobres da sociedade. Falta essa participação, digamos assim, “mais povo”. Claro, tem alguns poucos partidos que conseguiram se aproximar mais dessa parte da sociedade, que é muito grande. E aí o discurso não bate. Por exemplo: esses grupos dizem que tem que defender o estado democrático de direito. Mas quem entende isso são esses grupos. O povo não sabe o que é isso. Esse discurso o povo não entende. Naquele movimento da educação pública, o que eu observei? Era uma grande massa que tinha condições, inclusive, de pagar uma universidade particular, até porque estudaram a vida inteira em escolas privadas, mas quando chegam no nível superior, vão para a universidade pública. E na universidade pública tem pouquíssimos pobres. Por quê? Porque o horário das aulas não permite que o pobre que trabalha e estuda, participe da universidade pública. Só quem pode estar na universidade pública são pessoas que podem estudar durante o dia. Quem trabalha não pode estudar na universidade pública. Esse é um exemplo concreto do fato de que nem sempre esses movimentos sociais, embora legítimos, representam, não atendem as camadas mais vulneráveis da sociedade. Eu digo isso porque faço parte dessas camadas, eu convivo com elas. Agora, a militância me fez conviver com os dois lados e isso é importante para mim, porque tenho ajudado o pessoal a até mesmo mudar um pouco a linguagem para que as pessoas entendam e comecem também a participar da movimentação política. Esse é um dos desafios que temos na democracia participativa. Isso sem contar que tem outro desafio nosso: nós temos a Constituição cidadã, que propiciou toda essa participação do cidadão nos conselhos etc. No entanto, falta para a maioria dos conselheiros a consciência do seu papel. Por exemplo: muitas vezes, no conselho municipal de saúde, aquele que representa os usuários ou os trabalhadores da saúde não tem consciência de quem está representando e, muitas vezes, é cooptado pelo Executivo. Eu não estou defendendo aqui uma cruzada contra o Executivo, mas ele não pode ser cooptado: ele está de um lado e não do outro. Ele é um espelho, nesse caso, para o usuário ou para o trabalhador da saúde. Agora, se ele se deixar cooptar, ele trai quem votou nele para representá-lo. Essa é uma deficiência de todas as classes que se repercute no Congresso, porque temos muitos eleitos e poucos políticos. Por quê? Porque o poder econômico elege muita gente sem nenhuma formação para ser deputado, para ser senador. Ali, esses costumam seguir quem tem mais influência. Esse problema começa na base e descamba no topo da pirâmide política.

 

Você concorda que existe hoje uma polarização no Brasil e que sendo algo negativo, dificulta o processo político, naturalmente feito de debate, de conflito?

Eu começaria discordando: não há uma polarização. A minha geração é a geração das Diretas Já. Se olharmos para as imagens históricas daquele momento, encontramos no palanque defendendo as Diretas Já, vários políticos, de vários partidos, de várias tendências. Ali, você tinha esquerda, direita, centro, centro-esquerda, centro-direita. Todos estavam no mesmo palanque, bradando por Diretas Já. A aprovação da lei não passou naquele ano, mas cinco anos depois tivemos a primeira eleição para presidente, em 1989, ou seja, todos aqueles que estavam no mesmo palanque, em defesa das Diretas Já, agora, no processo eleitoral, estava cada qual no seu palanque. Ali, havia o debate ferrenho, a discussão de projetos, discordâncias etc. Isso é polarização. Por quê? Porque eles estão dentro do campo democrático: são dois polos, mas dentro do campo democrático. O que está acontecendo no Brasil hoje não é isso. Tem um grupo que chegou ao poder, representado pelo atual presidente, o Sr. Jair Bolsonaro. Em defesa da sua permanência no poder, ele tem usado de todos os meios, inclusive da violência. Tanto é que, quando ele foi eleito, não participou de nenhum debate. Ele e seus seguidores não são adeptos do debate: ou você concorda com o que eles dizem ou você é eliminado. Infelizmente, inclusive, tivemos dois casos de pessoas que foram mortas há pouco tempo. Isso não é polarização, porque está totalmente fora do âmbito democrático, do debate das ideias, porque a polarização se dá quando há o debate. O debate é inerente à política: você defende que deve dar o anzol, eu defendo que deve dar o peixe. Então, vamos debater! Temos, porém, uma coisa em comum que é matar a fome. Mas se chega uma terceira pessoa e que discorda da gente, que defende a morte, isto é, que usa da violência, então temos a ausência da política. Isso porque a política tem como caraterística a administração de conflitos. É por isso que tem situação e oposição. O meu adversário político não é o meu inimigo; quando ele passa a ser o meu inimigo, foge completamente do campo político. O que está acontecendo no Brasil é uma tentativa de resgate da ditadura, enquanto aqueles que defendem a democracia estão numa luta ferrenha para salvar o pouco que nós temos de democracia, que se dá no debate sadio das ideias, das discordâncias. Veja: de 1989 até 2018, tivemos eleições, com debates etc., e nunca tivemos o ódio que estamos vendo hoje no Brasil. Esse ódio surgiu a partir do momento em que assumiu o poder alguém que disse com todas as letras: “a minha especialidade é matar”. E ele não está sozinho. Aqui, além da falta de educação política, tem questões de âmbito psicológico: pessoas que têm seus conflitos, seus traumas, seus complexos e que encontrou uma maneira de auto afirmar por meio da imposição da violência. É essa a leitura que eu faço do momento que estamos vivendo. Agora, acho que devemos ter prudência, mas não devemos recuar.

 

Outro elemento desse contexto é a relação entre política e religião, que é inerente ao próprio ser humano, já que a pessoa que é religiosa, é também política. A própria Igreja Católica e outras igrejas cristãs históricas sempre apoiaram e sustentaram movimentos populares, o que é uma forma de fazer política. Mas hoje há outros segmentos – notadamente cristãos – que parecem tornar essa relação um tanto complicada, confusa. Como você avalia essa relação hoje?

Eu vejo o seguinte: as pessoas nunca entenderam porque é que o padre não poderia se candidatar, porque é que a Igreja não podia fazer campanha política. De fato, a Igreja sempre teve a preocupação com a formação de base, o que foi muito forte o movimento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) nos anos 1980, 1990, inclusive com a Teologia da Libertação que nunca foi muito bem entendida por nós e foi muito mal interpretada por alguns. Mas o que acontece? Aquele movimento conseguiu formar muitas comunidades e isso fez surgir alguns candidatos, provenientes desse trabalho. Mas a Igreja, desde aquela época, nunca subiu em palanque nenhum. Ela nunca disse: “meu candidato é esse”. A Igreja apresentava um programa que coincidia com algumas das candidaturas, que propunha sempre o combate às desigualdades sociais, inspirada na sua própria Doutrina Social, um documento que não é recente, mas tem mais de três décadas. A Igreja, como mãe, vai estar sempre com as portas abertas para alguém que entre de vermelho ou para alguém que entre de amarelo. Mas ela jamais deveria dizer: “fulano é o meu candidato”, “cicrano não é”, porque todos são filhos dela. No entanto, cabe a ela – e ela estava fazendo isso por meio da CNBB – orientar esses filhos que caminho seguir. Ela não vai dizer: “vote no fulano, porque é uma pessoa boa”, mas sim: “vote em quem defende tais e tais valores”. A CNBB, inclusive, tem pago um preço alto por isso, porque tem se posicionado sempre em defesa da democracia, das políticas públicas, combate à desigualdade social e à miséria. Esse tem sido o papel da Igreja hoje. Mas, no momento atual, ela pecou um pouquinho quando um padre se apresenta com uma arma na mão e uma Bíblia na outra, o que é um contrassenso. Aí sim, sempre como mãe, deveria dar um puxão de orelha nesse padre e até suspendê-lo de suas funções ministeriais e publicar isso, para não confundir a cabeça das pessoas. Porque, querendo ou não, um padre ou pastor de uma igreja evangélica é uma voz que tem um peso, tem uma influência na sociedade. Então, se de repente ele defende algo que é um contra valor e seus interlocutores não têm uma base sólida, também de formação religiosa, acabam acreditando que aquilo que aquele sacerdote está dizendo é sagrado. O que também é lamentável pra gente enquanto sociedade, enquanto Estado laico, porque, com isso, acabamos discriminando, às vezes até inconscientemente, aqueles que não creem. Eu fico me perguntando como é que uma pessoa que não crê, que não tem religião nenhuma, vê outra que pede voto, com uma Bíblia embaixo do braço. O que isso significa? Além disso, o cristianismo não é programa de governo. O cristianismo pode servir de inspiração como, por exemplo, “a partilha dos pães e peixes” que, trazida para a política, pode inspirar um programa de distribuição de renda, para combater a fome. A relação horizontal do Cristo com os seus pode inspirar um programa de participação popular, uma democracia participativa, em que o líder não governa absoluto, mas governa com as pessoas. Depois, o Brasil é um país com gente de muitas culturas e tradições: temos budistas, muçulmanos, judeus. O que dizer para essas pessoas? No momento atual, vejo que a Igreja, como mãe, está um pouco perdida sobre como tratar esses seus filhos que, digamos, contradizem totalmente os ensinamentos da própria Igreja e do próprio Cristo. O Cristo foi preso político, porque questionava o poder político daquela época que se misturava com o poder religioso. Então, quando Jesus começa dizer que a pessoa é livre, não é escrava de ninguém, que diante de Deus todos são iguais, que deixasse todos os bens e dá-los aos pobres, isso começou a ferir os interesses do poder político da época, que se confundia com o religioso. A Igreja está sofrendo muito com esses filhos que abandonaram totalmente os ensinamentos dela, porque a pessoa se diz cristã, mas diz “bandido bom é bandido morto”. E como foi que Jesus tratou o ladrão? Ele disse que o ladrão iria ao Paraíso no mesmo dia. Ele não disse que ia analisar a vida do ladrão, ver os crimes que cometeu.

 

Você faz parte do Movimento Político pela Unidade (MPpU), ligado ao Movimento dos Focolares. Eu gostaria que você dissesse o que o MPpU tem feito nesse momento, a propósito da formação política, das eleições e do que poderá vir depois do pleito.

Com base nisso tudo que eu falei, atualmente, ali sim temos polarização. Ali nós temos a esquerda, centro, direita; debatemos; a nossa própria eleição interna gerou um debate muito bom. O que temos feito? Dentro dessa ótica da defesa das políticas públicas, temos apoiado e participado da Campanha Nacional em defesa do Sistema Único de Saúde (o SUS-Forte), porque percebemos que há alguns anos ele tem sofrido a tentativa de extinção, com cortes de verba, com a privatização de hospitais públicos etc. Estamos trabalhando nessa formação política, com uma linguagem acessível, sobretudo para aquelas pessoas que não têm o hábito da leitura e de assistir a debates. Esse trabalho vamos continuar após as eleições, porque é um trabalho que queremos que seja permanente e que é insistir na formação cidadã. Amarrar com os candidatos ao Congresso Nacional, seja deputado ou senador, um compromisso dessa defesa do SUS. Temos nos reunidos com eles desde já, que são de diferentes partidos, justamente para formar uma bancada em defesa do SUS. Estamos ainda em articulação com o nosso Centro Internacional, vamos participar do processo eleitoral lá também com a indicação de três representantes nossos. Outra iniciativa importante que também estamos fazendo é que estamos tentando animar, restaurar os nossos centros locais em vários estados e regiões onde tem e implantar onde não tem, para que haja uma capilaridade do MPpU nos vários estados da nação. Temos feito, enfim, essa leitura do momento atual do Brasil e, quando há necessidade, emitimos o nosso parecer ou manifestação. Além disso, estamos fazendo parte de uma grande articulação nacional denominada “Pacto pela Democracia”, que une várias organizações ao redor do Brasil, justamente para defender o pouco da democracia que temos hoje. Logicamente, em nível interno, temos os nossos debates, o que é muito bom, porque somos um movimento político. E isso é preciso ficar claro: embora sejamos uma ramificação do Movimento dos Focolares, que surgiu no âmbito de uma religião, somos um movimento político e, como tal, tomamos decisões de modo político.

 

O quadro político atual é difícil, desafiador. Mesmo assim, você vê sinais de esperança em dias melhores? O que lhe dá esperança a esse respeito?

O que me dá esperança é que, em nível de MPpU, num trabalho que estamos fazendo em conjunto com outra expressão do Movimento dos Focolares chamada Escola de Cidadania, temos feito uma série de pequenos vídeos, iniciativa que tem dado um bom retorno. Estamos conseguindo atingir nosso objetivo: as pessoas estão muito satisfeitas com esse trabalho. Justamente considerando que estamos sempre misturando religião com política, pegamos frases das Sagradas Escrituras e as associamos com situações do dia a dia. Por exemplo: “Era forasteiro e me acolhestes”, o que serve de inspiração para tratarmos do tema da habitação; como o meu voto pode favorecer essa pessoa que não tem casa. Essa campanha se chama “Seu voto, um ato de amor”. Usamos uma linguagem que é muito comum no âmbito dos Focolares: posso fazer com o que o meu voto seja um ato de amor.

Agora, um desafio é a transição política: estamos pecando pela falta de novas lideranças. E aqui gostaria de fazer uma observação: sempre que se fala em renovação na política, se atrela isso à idade dos políticos e se reporta sempre aos jovens. Eu vou mais além: digo que não basta ser jovem. Quando falo de renovação na política, não falo necessariamente de renovar a idade. Isso porque há muitos jovens “velhos”, com a prática da política “velha”. De fato, temos muitos jovens na política, nas esferas municipal, estadual e federal, mas que trazem a mesma prática dos seus antepassados: pais, avós, bisavós, trisavós. Então, o fato de eles serem jovens não significa que a política foi renovada. Ao passo que temos também pessoas de idade avançada, com o pensamento político mais atualizado, que quebra com a tradição da ganância, do acúmulo, da concentração de renda, que é o mal maior do Brasil. Então, a renovação na política não está necessariamente na questão idade do eleito, mas, sobretudo, na sua prática. Que prática ele vai ter? É uma prática nova, de inclusão, de distribuição de renda, de fortalecimento das políticas públicas. Não uma prática “velha”, da concentração de renda, da privatização dos bens públicos, do desmatamento, do ataque desenfreado à ecologia.

Enfim, em nível pessoal, vejo muita gente não percebeu que muita coisa já foi feita pelos mesmos políticos de quem sempre reclamamos. Agora, mais importante do que fazer novas coisas, é lutar para funcionar o que já existe. Evoluímos em parte no que diz respeito a certas promessas políticas. Agora, precisamos evoluir no sentido de fazer funcionar o que já existe. Tenho esperança que vai superar esse momento. Essa não é uma esperança alienada, mas é a esperança de quem já sofreu muito, saiu da miséria, passou fome e superou. É com base nessa esperança, é com base nesses fatos que acredito que vamos superar esse quadro. Obviamente, precisamos ter um grande aprendizado com isso tudo. O que acontece no Brasil é o que acontece nas comunidades: lutamos para ter casa, para pavimentar a rua. Essa luta continua para manutenção daquelas conquistas e para realizar outras e fazer com que outras pessoas tenham essas mesmas conquistas. Na militância, não podemos perder a fé e a esperança. A luta nos ensina isso: perdemos hoje, ganhamos amanhã.

Comentários

  • ana beatriz fortes

    excelentes perguntas com
    respostas claras, lúcidas mas sobretudo com "lastro" de quem sabe o que diz. coisa boa a gente compartilha!

  • BRAULIO RODRIGUES DE ALMEIDA JUNIOR

    Excelente entrevista Luis. Johnson é um voluntário com uma longa história de coerência e participação ativa na comunidade. Fomos Gen na mesma época e Voluntários como ele fazem a diferença e nos confirmam que O Ideal de Chiara é uma fonte de grandes Santos, coerentes e engajados socialmente, como Chiara sonhou que deve ser um verdadeiro Voluntário de Deus. Johnson é um desses filhos de Chiara que nos orgulham e que são inspiração para todos nós.

  • Jorge Luiz Zen

    Obrigado pela entrevista. Me ajudou muito na reflexão do tema. Parabéns.