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Educação: respeito, escuta e diálogo

Os povos originários e o Pacto Global Educativo proposto pelo papa Francisco: “Somos solicitados a procurar uma cultura integral, participativa e poliédrica”

Há 3 anos - por Osnilda Lima
Pacto Educativo Global: cultura integral, participativa e poliédrica
Pacto Educativo Global: cultura integral, participativa e poliédrica (foto por Freepix/ André Marques)

Em outubro do ano passado, em Roma, o papa Francisco lançou o Pacto Educativo Global que propõe sete compromissos por um mundo melhor, que fomente e fortaleça a promoção do diálogo ente culturas, da paz e da ecologia integral.

Para o pedagogo e antropólogo social, João Paulino, da Universidade Federal de Roraima (UFRR), que publicou em dezembro passado o livro Saberes dos Povos Indígenas Maya e Yanomami: Desafios epistêmicos no processo de descolonização, faz-se necessário entrar no processo de descolonização para atender a provocação do papa.

Paulino traz a referência dos maya e yanomami para entrar em diálogo com o Pacto Educativo Global. Ele ressalta que no mundo desses dois povos se aprende com o universo sociocultural e linguístico e, então, se abstrai o conceito. “Os indígenas vivem o conceito, antes de abstraí-lo. Ou seja, eu me relaciono com os rios, me banho nos rios, pesco no rio, molho as plantas, então o rio passa a fazer parte de mim e eu parte do rio.” O professor salienta que, em nossa educação ocidental, aprendemos os conceitos para depois conviver, com a natureza, com as pessoas, com as coisas. Com isso, há o risco de a relação ser predatória, de posse.

Nesse sentido, o antropólogo sugere o exercício de descolonizar a mente e apresenta como base três elementos: respeito, escuta e diálogo. “Respeitar o outro, a outra, aquele, aquela que não está no nosso núcleo mais próximo, núcleo cultural, núcleo linguístico”. Dessa forma, afirma o professor, “crio o elemento do espanto meditativo e a curiosidade me leva e querer aprender o que a outra pessoa tem e eu não tenho, e o que posso escutar”. Esses dois elementos, de acordo com o professor, levam à mesa do diálogo. “O diálogo intercultural, intercientífico e inter-religioso que induz à permuta e um consenso de reciprocidade. Não é só uma voz, ou a voz superior”, garante.

 

"Somos habitantes da floresta. É esse o nosso modo de ser e são estas palavras que quero fazer os brancos entenderem”. ("Queda do céu", de Davi Kopenawa)

 

O professor sugere que “todos nós mestiços, em nossa formação com conteúdos programáticos eurocêntricos, devemos nos descolonizar para então entrar na proposta do Pacto Educativo Global. Ele aconselha: “Estudar toda a história outra vez, nos descolonizando. É um exercício: centrar no outro, na outra, no excluído, no oprimido, na mulher subalterna, no machismo tóxico, no infanticídio, no eurocentrismo”.

Paulino lembra a fala de Davi Kopenawa, no livro a Queda do céu, aos brancos, sobre a resistência descolonizadora yanomami para haver um diálogo intercientífico, intercultural e inter-religioso: “Faz muito tempo que eu não deixo mais as mentiras dos brancos me confundirem e que não me pergunto mais: ‘Por que eu não tento virar um deles?’. Tornei-me homem, meus filhos cresceram e tiveram seus próprios filhos. Agora, nunca mais quero ouvir más palavras sobre os xapiri! Omama os criou depois de ter desenhado nossa floresta e, desde então, eles continuaram cuidando de nós. Eles são muitos valentes e muitos bonitos. Seus cantos fazem nossos pensamentos aumentar em todas as direções e ficar firmes. E por isso vamos continuar fazendo danças às suas imagens e defendendo suas casas, enquanto estivermos vivos. Somos habitantes da floresta. É esse o nosso modo de ser e são estas palavras que quero fazer os brancos entenderem”.

Na mensagem, em vídeo, por ocasião do encontro pelo Pacto Global Educativo, em outubro de 2020 o papa Francisco afirma: “Precisamos de ter a coragem de gerar processos que assumam, conscientemente, a fragmentação existente e os contrastes que efetivamente carregamos conosco; a coragem de recriar o tecido de relações em prol de uma humanidade capaz de falar a linguagem da fraternidade. O valor das nossas práticas educativas não será medido simplesmente pela superação de testes padronizados, mas pela capacidade de incidir no coração duma sociedade e fazer nascer uma nova cultura. Um mundo diferente é possível e pede que aprendamos a construí-lo, e isso envolve toda a nossa humanidade, tanto a nível pessoal como comunitário”, diz o pontífice.

E, para isso, Francisco sugere sete compromissos para o Pacto Educativo Global.

“Primeiro: colocar no centro de cada processo educativo – formal e informal – a pessoa, o seu valor, a sua dignidade para fazer emergir a sua especificidade, a sua beleza, a sua singularidade e, ao mesmo tempo, a sua capacidade de estar em relação com os outros e com a realidade que a rodeia, rejeitando os estilos de vida que favorecem a difusão da cultura do descarte;

Segundo: ouvir a voz das crianças, adolescentes e jovens a quem transmitimos valores e conhecimentos, para construir juntos um futuro de justiça e paz, uma vida digna para toda a pessoa;

Terceiro: favorecer a plena participação das meninas e jovens na instrução; Quarto: ver na família o primeiro e indispensável sujeito educador;

Quinto: educar e educarmo-nos para o acolhimento, abrindo-nos aos mais vulneráveis e marginalizados;

Sexto: empenhar-nos no estudo para encontrar outras formas de compreender a economia, a política, o crescimento e o progresso, para que estejam verdadeiramente ao serviço do homem e da família humana inteira na perspectiva duma ecologia integral;

Sétimo: guardar e cultivar a nossa casa comum, protegendo-a da exploração dos seus recursos, adotando estilos de vida mais sóbrios e apostando na utilização exclusiva de energias renováveis e respeitadoras do ambiente humano e natural, segundo os princípios de subsidiariedade e solidariedade e da economia circulante”.

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