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Em guerra da informação, comunicar valores é arma em defesa da sociedade civilizada

MUTICOM 2021 - A filósofa Viviane Mosé denuncia que fake news estão levando pessoas à morte e destaca a necessidade de uma comunicação a partir de valores humanos e conectadas com a terra

Há 3 anos - por Karla Maria
Viviane Mosé:
Viviane Mosé: (foto por Agência SIGNIS)

Viviane Mosé é capixaba, psicóloga e psicanalista graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo. É também mestre e doutora em filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A filósofa é uma das pioneiras na iniciativa de levar aos meios de comunicação o debate e a reflexão sobre a complexidade humana e suas relações, temas que fundamentalmente ultrapassam os 144 caracteres impostos por uma rede social.

Em sua palestra durante o Mutirão Brasileiro de Comunicação (Muticom) deste ano, Viviane falou sobre o papel de comunicadores católicos neste período pandêmico, de caos contemporâneo, mas não só. Falou da necessidade de compreensão do estado de guerra em que vivemos, cuja belicosidade está nas palavras apontando um cenário de guerra da informação.

A estratégia da filósofa para superar este estado de coisas está, em primeiro lugar, na ação de conhecer o contexto, a realidade em que se pisa, em que se sobrevive, com consciência do todo e compromisso ético para superá-lo. “Estamos neste momento vivendo um processo extremamente difícil que é a possibilidade da extinção da vida humana no planeta Terra e isso é real”.

Viviane nos faz pensar, assim como papa Francisco em sua encíclica Laudato Si, que o modo como ocupamos a terra e extraímos dela seus recursos naturais está na base dessa ameaça de extinção, e que resulta em desigualdades sociais nunca antes vistas e no fato de a natureza responder a tamanha agressão com os desequilíbrios climáticos, os vírus e mortes.

“Nossa relação com os alimentos e com a terra fez com que nos tornássemos hospedeiros de vírus. Há uma guerra que vivemos hoje com a própria natureza, que está lutando contra a ocupação humana”, explica Viviane, exaltando o papel histórico e atual da Igreja Católica, da figura do papa Francisco em convocar a sociedade à reflexão sobre a conexão que existe entre a natureza e nós, seres humanos.

“A civilização se colocou em uma bolha na Terra, como se nós não fizéssemos parte dela. Costumamos dizer que precisamos defender ou cuidar da natureza e isso está errado, nós somos a natureza. Quando a destruímos, destruímos a nós mesmos. Esse é o primeiro conceito que temos que trabalhar na nossa comunicação se quisermos sair do caos absoluto em que vivemos para uma outra sociedade”.

 

 “Na sociedade em rede, todo mundo se horizontaliza, e aí começa outro tipo de guerra que tem coisas muito favoráveis, porque ela permite a manifestação das diferenças."

 

 

Para Viviane, que é também especialista em implementação de políticas públicas, o maior desafio da comunicação neste mundo é resgatar o humano, o valor da existência da vida que não está vinculado ao modelo neoliberal vigente no país. “Esses valores de compras, produtos e consumo estão em exaustão. O que determina hoje o mundo chama-se morte. O conceito que perpassa todos os lugares chama-se medo. O valor que mais se desintegrou chama-se futuro, o que nós temos de mais marcante chama-se presente”, avalia.

O que fazer diante da derrocada de valores impostos pelo neoliberalismo? Comunicadores têm função neste contexto de desintegração do presente? O que seria essa desintegração? Viviane entende que esse desintegrar pelo qual atravessa a sociedade se trata de uma crise da verdade, que leva à guerra da informação. “Verdade é o que é independente da mudança. Quando a gente estabelece verdades, impomos um valor fixo para tudo que é provisório, mas é necessário; não está errado. Essa verdade foi tomada como coisa em si e alguns valores começaram a ser usados como verdades acima de todas as outras”.

Ela cita a questão de gênero, por exemplo. “Por que uma pessoa que nasceu entre a verdade de um homem e a verdade da mulher não tem direito à vida? Esse modelo de verdade foi muito cruel pra gente. Quantos suicídios isso já causou? Qual o número de pessoas que se matam por questão de sexualidade de gênero?”, questiona.

Para ela, é preciso ter a compreensão de que a verdade funcionou de manipulação durante muito tempo “e que vivemos um período em que essas coisas eram muito duras”. Viviane explica que tais crueldades, ou a definição de verdades, se deram por meio de uma sociedade verticalizada até a chegada da internet, e naquele momento as verdades eram definidas de cima para baixo.

Hoje, defende a filósofa, na sociedade em rede, horizontalizada, as verdades se apresentam em disputa e as diversidades se manifestam. “Na sociedade em rede, todo mundo se horizontaliza, e aí começa outro tipo de guerra que tem coisas muito favoráveis, porque ela permite a manifestação das diferenças. É por isso que as questões de gênero hoje são as que mais movem o debate intelectual. É a diversidade de gênero. Eu não estou dizendo que a discussão é bem feita ou mal feita, isso é outro assunto, mas ela explode, porque não é mais possível a polaridade entre masculino e feminino sem considerar os meios. O mundo hoje é feito de meios e não de polaridades, já que nós temos uma sociedade articulada horizontalmente”, explica Viviane.

Fake news e guerra da informação

Foi a partir da apresentação do atual cenário de desintegração da sociedade que vive em rede, horizontalizada e em disputa de verdades, que Viviane defendeu a ideia de que vivemos em uma guerra da informação.

“Temos uma guerra horizontalizada que é boa porque antes era piramidal. Trata-se de uma guerra de forças, em que a extrema-direita nega a vida e defende a morte. Temos hoje 560 mil pessoas mortas [em decorrência da pandemia de Covid-19 no país], sendo que grande parte delas não precisava estar morta. Nós temos uma guerra inacreditável. É no domínio da informação, da comunicação que a guerra se estabelece e se estrutura. Não são bombas, é na comunicação”.

Como lidar com isso? Com a pulverização dos fatos, vidas e consciências perdidas ou abatidas por essa guerra da informação, cuja munição são as fake news? Dominando não somente a técnica das ferramentas, mas especialmente os valores, colocando-os na base de toda e qualquer comunicação. “Temos uma guerra de valores, de forças, que acontece de modo horizontalizado e que quando algum valor é acionado nessa guerra, ele é alvejado por outros campos. Uma guerra que não acontece mais com armas, mas literalmente de comunicação, e a base disso chama-se fake news. Sair disso é nosso grande desafio”.

 

"Comunicar é comunicar o processo e não a ponta. Se você comunica a ponta, você não comunica efetivamente. Traga o todo. Nunca esqueça que estamos vivendo uma crise grave que coloca a civilização em crise. Essa é a base do seu trabalho sempre”

 

Para Viviane, a Igreja Católica e seus comunicadores precisam transmitir a ideia de crise civilizatória que atravessamos e a necessidade de o ser humano mudar sua relação com o planeta. A filósofa aconselha a enxergar nosso planeta como um prédio em ruínas, e que por isso, também em reconstrução, é um terreno fértil para a valorização da terra, do hoje.

“Temos que resgatar a presença, porque nós estamos vivendo uma guerra e quem não estiver presente desaparece”, destaca.

A especialista em implementação de políticas públicas defende a ordenação, a organização das diversas ações da comunicação em torno de eixos comuns, em contraposição à dispersão inerente da sociedade em rede. “Ao mesmo tempo em que a horizontalidade agrega, ela cria uma guerra, porque quem perdeu o poder piramidal hoje está lutando na horizontalidade com novas armas. Isso que é a guerra da informação”.

Para ela, cada setor, órgão e profissional da comunicação deveria anual ou mensalmente organizar suas criações a partir de um universo de valores, estabelecendo limites e direções para sua atuação. “Tenho que me sentar com a minha equipe, com o meu grupo e pensar o mundo. Não posso falar da minha notícia sem falar da situação do Brasil e do mundo que atravessa uma pandemia. Comunicar é comunicar o processo e não a ponta. Se você comunica a ponta, você não comunica efetivamente. Traga o todo. Nunca esqueça que estamos vivendo uma crise grave que coloca a civilização em crise. Essa é a base do seu trabalho sempre”, orienta Viviane.

Ela sugere ainda que a equipe se reúna para criar uma espécie de guia de valores norteadores os trabalhos. “É preciso refazer periodicamente esse universo (de valores), porque antes ele era dado no modelo piramidal, de cima para baixo, mas agora nós temos que criar os valores a partir dos quais a gente estabelece alguns caminhos”.

Por fim, Viviane ressaltou o papel da Igreja na sociedade, como partícipe do resgate de conceitos e valores comuns. “Que a gente crie uma rede mínima de valores comuns para todas as instituições que trabalham com a Igreja se articularem, porque a tendência do mundo é a desintegração e é na desintegração que as fake news existem, controlam e levam pessoas à morte, como estamos vendo hoje. Pessoas estão sendo levadas à morte por fake news. É preciso ordenar essa comunicação em princípios comuns, cada vez mais”.

Orientações para comunicar em meio à guerra da informação

- Entenda que estamos em uma guerra da comunicação, da informação;

- Estabeleça seu papel, do seu jornal, blog... Nesta guerra, neste lugar;

- Organize os seus valores.  O valor da vida, da vida na terra;

- Comprometa-se com o fato de que ação corresponda aos valores pré-definidos.

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