Cookies e Política de Privacidade
A SIGNIS Agência de Notícias utiliza cookies para personalizar conteúdos e melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

A presença religiosa para além dos muros e pandemias

Padre e religiosa com diferentes atuações na Igreja e na sociedade se ampararam na oração e no testemunho para continuar servindo no meio da pandemia

Há 3 anos - por Karla Maria
Padre José Carlos dos Anjos:  grande audiência nas redes sociais
Padre José Carlos dos Anjos: grande audiência nas redes sociais (foto por Arquivo pessoal)

A pandemia de Covid-19 apresentou desafios a todos nós. Exigiu capacidade de adaptação, criatividade e resiliência diante do isolamento, do desemprego, da fome e da morte de tantos pelo país. Em uma sociedade punitivista e violenta como a brasileira, Petra Silvia Pfaller não pôde parar nem na pandemia “ao lado” daqueles que são vistos como a escória da sociedade, os últimos dos últimos.
Alemã, a religiosa das Missionárias de Cristo está no Brasil desde 1991. É formada em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e possui especialização em direitos humanos, direito penal e processo penal. Não por acaso é coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, pouco conhecida e compreendida por muitos católicos e católicas.
A missão da pastoral é “ser a presença de Cristo e de sua Igreja no mundo do cárcere, caracterizado pela superlotação, condições insalubres e tortura sofrida pelas pessoas privadas de liberdade”. A superlotação e as condições insalubres denunciadas há décadas pelos defensores de direitos humanos tornaram-se o cenário propício para a proliferação do vírus e contaminação daqueles que estão sob a tutela do Estado. “A omissão do Estado foi horrível para quem mora na periferia e mais ainda com os encarcerados. Imagine o então ministro da Justiça Sérgio Moro falando que no cárcere estavam tomando as devidas providencias de distanciamento social. Mentira. Imagine uma cela com 20 presos: como poderiam fazer distanciamento social? Temos notícias de muitos presos e servidores penitenciários que morreram”, conta irmã Petra.
O monitoramento quinzenal dos casos de contágios e mortes por Covid-19 nos sistemas prisional e socioeducativo elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicado em 9 de setembro deste ano, revelou 565 óbitos dentre 91.397 casos registrados de coronavírus dentro do sistema prisional brasileiro. Desses, 291 eram mortes de servidores e 274 de homens ou mulheres presas, números questionados pela Pastoral Carcerária.
“Os dados são subnotificados. As medidas sanitárias adotadas foram praticamente nada. Foi só uma fachada, uma enganação”, critica irmã Petra. Segundo ela, os relatos de familiares e presos que deixaram o sistema prisional são de que a situação piorou. “Estamos descobrindo o impacto da pandemia agora nas cadeias, já que voltamos às visitas religiosas. Os primeiros relatos que temos é que estão muito magros, doentes, que faltam remédios. Então a situação piorou. Mais casos de tortura e menos fiscalização porque os órgãos fiscalizadores também não entraram nos presídios. Fizeram visita de fiscalização online, ou seja, não fizeram”, reclama.

 

Ir. Petra Pfaller (a terceira, da esquerda para a direita) com agentes da Pastoral Carcerária


“Não deixamos de apoiar os familiares dos encarcerados, seja com denúncia, com reuniões, com cestas básicas e/ou material de higiene até mesmo nas portas dos presídios. Essas ações foram muito fortes e de muito impacto” (Ir. Petra Pfaller)

 

Segundo pesquisa realizada pela própria pastoral com seus membros, o número de denúncias de maus-tratos nas cadeias aumentou cerca de 50% durante a pandemia. “Recebemos denúncias de pessoas que saíram do cárcere nesse período, de advogados e agentes penitenciários que não compactuam com esse sistema torturante”.
Irmã Petra conta que perdeu vários de seus agentes de pastoral: idosos vítimas da Covid. Ela mesma teve covid em fevereiro deste ano, o que ampliou sua percepção sobre sua missão, sua vida. “Tive alguns sintomas leves e não precisei me internar. Só tratar e ficar em prisão domiciliar”, brinca. “Passei bem. Sobrevivi. Isso me toca bastante, uma experiência muito forte. Depois da Covid, com anticorpos, eu comecei a andar mais e mesmo assim com toda a proteção: máscara, álcool em gel. Fui entregar cesta básica. Há muita gente passando fome”.
O trabalho de irmã Petra e da pastoral que coordena não parou, ao contrário, se intensificou após adaptações. Sem poder fazer visita ao cárcere desde março de 2020, os agentes da pastoral foram e sãopresença nas redes sociais e na atuação burocrática. “Mandamos muitos ofícios para os órgãos responsáveis pedindo atenção para a população carcerária e também entramos muito em contato com familiares. Nessa pandemia aumentou bastante nosso trabalho e o apoio aos familiares dos encarcerados, além de oferecermos formação online”.
Foram elaborados oito vídeos de formação e eu mesma assisti a alguns sobre justiça restaurativa e um mundo sem cárcere, além depromover reuniões com grupos e familiares daqueles que estão presos. “Foi um aspecto muito importante, porque descobrimos que a internet pode ser bem útil. Essa foi uma grande descoberta e vamos continuar fazendo isso”, diz a religiosa.
A pastoral também matou a fome de familiares de presos e ofereceu kits de higiene e proteção. “Não deixamos de apoiar os familiares dos encarcerados, seja com denúncia, com reuniões, com cestas básicas e/ou material de higiene até mesmo nas portas dos presídios. Essas ações foram muito fortes e de muito impacto”, conta irmã Petra, que admite ter sentido medo.
“Tive receio, mas me protegi também. A oração e a vida espiritual se intensificaram nesse tempo em que nos sentimos tão impotentes e tão expostos perante essa pandemia. Senti indignação com a omissão desse governo com as pessoas de dentro e fora do cárcere, com os servidores”, comenta.
Está na lei, todo homem e mulher em situação de cárcere tem o direito à visita religiosa, seja ela qual for, em hospitais da rede pública ou privada, ou em estabelecimentos prisionais civis ou militares. Sem poder estar lá, a pastoral passou a receber mais e mais denúncias.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, entre março e maio deste ano 35 mil pessoas foram retiradas de unidades prisionais com a adaptação do cumprimento da pena para outros formatos, como prisão domiciliar ou monitoração eletrônica. Trata-se de 4,6% do total de pessoas em privação de liberdade, excluídos o regime aberto e presos em delegacias.

Atrás dos operários

Padre José Carlos dos Anjos tem 57 anos e um sorriso fácil. É padre há 15 anos na Arquidiocese de São Paulo e desde o segundo semestre de 2019 conviveu com uma transição de pároco na zona leste de São Paulo para assessor da pastoral vocacional. Transição esta intensificada pelo isolamento social imposto pela pandemia de covid-19.
“Eu estou sentindo falta de povo. Primeiro tive a dificuldade ao sair da paróquia e veio quase que junto a pandemia e a pastoral vocacional. Eu pensava: o que vou fazer sem o meu povo? Foi uma adaptação muito rápida. Doeu muito, mas tive que me adaptar. Coloquei a cabeça no lugar, chamei o Espírito Santo para perto de mim e graças a Deus eu fui entendendo o que estava acontecendo comigo e com o mundo”, conta o padre.

 

“Infelizmente muita gente tem morrido sem uma prece, gente hospitalizada sem a unção dos enfermos, o sacramento da cura plena, porque ela vai para Deus” (padre José Carlos dos Anjos)

 

Sua adaptação rende frutos e dos bons. Padre dos Anjos tem grande audiência nas redes sociais, já que com a impossibilidade de rezar junto com as pessoas iniciou a reza do terço diariamente às 20h. E assim, até hoje alcança pessoas para além dos paulistas. “Tivemos que nos adaptar ao novo modo de falar com as pessoas. Nesse período eu tinha feito algumas ligações com as pessoas usando chamada de vídeo, e como foi bom descobrir essas coisas. Como é bom fazer uma live com a família e com o povo. Isso veio nos ajudar, nos fazer crescer. Hoje trabalhamos melhor nossa relação coma tecnologia”.
Começou rezando o terço diariamente – de domingo a domingo – e agora, com o retorno de algumas celebrações presenciais, reza o terço de segunda a sexta-feira, sempre às 20h. “De sábado e domingo eu celebro nos setores, nas paróquias, conhecendo os jovens, acólitos, leitores: os futuros padres da Igreja”, explica.
Como assessor arquidiocesano da Pastoral Vocacional, o padre José Carlos dos Anjos tem o papel de pescar os futuros padres da Igreja e acompanhar os que já se prepararam para o sacerdócio por meio de encontros e orientações pessoais. Atualmente acompanha de perto 22 estudantes de filosofia, 23 de teologia e 16 que estão no propedêutico, período preparatório que antecede a entrada na faculdade de filosofia.
“Temos seminaristas com 40, 50 anos e observo decisões muito conscientes [...] Quando entramos, em março de 2020, chegou a pandemia com força e passamos a fazer os encontros online. Nós vamos nos adaptando e adequando. Alguns seminaristas já estão apresentando ansiedade e tomando medicação. Estamos acompanhando de perto”, conta o padre, que sempre recorre à intercessão de São João Maria Vianney, o padroeiro dos sacerdotes.
Com o avanço da vacinação e algumas das atividades sendo retomadas presencialmente, o padre ressalta a necessidade de todos se vacinarem e continuarem se protegendo. “Estamos pensando em fazer um encontro com os bispos, com todo o cuidado. Tomara que todos tomem as vacinas e possamos dizimar essa pandemia. Deus cuida, mas a gente não pode ser imprudente e não usar máscara. É preciso ter responsabilidade social”.
Como padre, dos Anjos acolheu o sofrimento de muitos. Pudera, são cerca de 600 mil mortes em decorrência do vírus da Covid-19.
“Isso é muito terrível. Uma paróquia me convidou a celebrar o Batismo porque o padre [de 64 anos] tem muito medo e não quer se envolver com mais ninguém. Eu estava de máscara, mas no momento da comunhão é preciso tirá-la. Dá medo mesmo. Nós somos católicos e temos os sacramentos, como as exéquias, e infelizmente muita gente morreu e nem essa oração foi feita. Ouvi colegas fazendo exéquias pelo celular, mas não fico muito feliz com isso. Todo mundo que me chamou para celebrar as exéquias eu fui com a minha máscara, sem abraçar as pessoas, sempre com álcool em gel. Infelizmente muita gente tem morrido sem uma prece, gente hospitalizada sem a unção dos enfermos, o sacramento da cura plena, porque ela vai para Deus”, desabafa dos Anjos.
Padre José Carlos dos Anjos não foi contaminado pela Covid-19, mas rezou e muito por todos nós que sobrevivemos a esse vírus. Diariamente ele está nas redes sociais te esperando para rezar o terço, sempre às 20h, no facebook /padrejosecarlosdosanjos.

Comentários

  • Esta notícia ainda não tem comentários. Seja o primeiro!