Sempre é tempo para recomeçar
Conheça Amélia Kovaliuk, 67 anos. À nossa reportagem, a agente da Pastoral da Criança falou sobre a violência doméstica que sofrera e como encontrou caminhos para sair desse ciclo de dor e aflição.
Olhar sereno, voz mansa e suave, a vestir um estampado sorriso no rosto, Amélia Kovaliuk, 67 anos, abriu o portão para nos receber em sua casa para esta conversa. Neta de migrantes ucranianos, começamos a conversa com a narrativa da vinda do avô paterno para o Brasil, logo após a Primeira Guerra Mundial. O avô fora combatente. O território brasileiro era visto como grande oportunidade, e os governos incentivavam a migração pela mão de obra nas lavouras e a ocupação de terras para fins agrários.
Amélia recorda os horrores que o avô contava sobre a vivência, luta e derrota na Guerra. E nos diz que ele embarcou de forma clandestina no navio. Mas eram poucas as vezes que ele narrava algo sobre a luta, pois lhe ocorriam crises nervosas e choros incessantes. E, mesmo no Brasil, o avô se escondia, achava que estava sendo perseguido.
Chegou a Prudentópolis, no Paraná, onde, nos meses seguintes, se casou. Em seguida, a família migrou para Boa Ventura de São Roque (PR). Nessa cidade se estabeleceu e com poucos recursos e muita luta foi vencendo.
Em 1955 Amélia nasceu. Lembra da infância, conta que tudo era de muita restrição. O acesso à saúde, vestuário, alimentação era cultivado pela família. Já o acesso à educação era bastante raro. Conta que conseguiu ir à escola somente por um ano, e foi muito difícil, pois na família só se falava em ucraniano, então, aprender o português exigiu muito. Quando voltou a ter professora no lugar, já tinha 11 anos. Ela conta que, na época, era uma mocinha e já trabalhava na roça, por isso, não conseguiu voltar aos estudos, precisava trabalhar. Aos 21 anos se casou.
No casamento, Amélia não imaginava o que a esperava. Foram 28 anos de um relacionamento abusivo, vivia sob ameaças e espancamentos. Lembra que uma vez apanhou tanto, que ficou por um bom tempo sem poder dormir de costas, pois estava carne viva. Mas, naqueles tempos, separar-se era uma tragédia familiar, revela. A mulher sofria em silêncio, calada, mas permanecia no casamento.
Aos 46 anos, Amélia resolveu abrir as portas e janelas para a vida. Decidiu voltar a estudar. Fez a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em seguida, para acompanhar a filha adolescente à escola, frequentava o curso somente à noite e concluiu até o 8º ano.
Nesse meio tempo, Amélia também assumiu a coordenação da Pastoral da Criança. Na paróquia, participava ativamente as atividades formativas e repassava às outras mães, ensinava como cuidar dos filhos e sobre os relacionamentos intrafamiliares.
Nesse processo de Amélia em saída, recorda que um dia teve um insight, uma clareza súbita. Percebeu que estava ensinando e ajudando outras mulheres, mas vivia aprisionada no relacionamento abusivo e violento. Foi quando se encorajou e decidiu pela separação. Há 18 anos, uma mulher separada, era extremante mal vista pela sociedade local, era mal falada. Mas, entre continuar sofrendo violência doméstica e buscar a libertação, ela decidiu pela libertação, pois percebia que estava morrendo. Pediu a separação. Contudo, construiu uma casa, no terreno próximo ao do ex-marido. Com isso, as importunações continuaram. Foi quando decidiu arrendar o terreno e comprar um lote na cidade. Mostrou-nos orgulhosa a casa em acabamento, e na qual já está morando.
Amélia lamenta que ainda hoje existam mulheres que vivem a violência doméstica. Ela ressalta que os abusadores apostam no silenciamento e na culpabilização da vítima para perpetuar um comportamento violento e criminoso. É lamentável, segundo ela, que mulheres que vivem ou viveram relacionamentos abusivos não exponham sua realidade nem peçam ajuda: isso pode ser em decorrência da vergonha, do medo, por se sentirem culpadas, ou até acreditarem que situações como essa são naturais em um relacionamento.
Por isso, ela incentiva mulheres a buscarem ajuda, a participar de atividades fora, seja na igreja, nas pastorais, nos sindicatos. Ela entende que esses coletivos ajudam a fortalece-las e empodera-las.
Finalizando nossa conversa, Amélia revelou: “Agora sim estou vivendo! Antes tarde do que nunca, ou sem a vida”.
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