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O pão nosso de cada dia: a política!

Há 2 anos
Política: "Existe uma necessidade de intermediação do amor ao próximo através da política"
Política: "Existe uma necessidade de intermediação do amor ao próximo através da política" (foto por Valdo Virgo/ Blog Carlos Santos)

Meu pai que atuava intensamente na política local de Salvador dos Sul (RS). Ele dizia que até ajuntar um papel de lixo na rua é um ato político e que não é bom ficar em cima do muro, o melhor é tomar partido porque somos nós que fazemos a história. Depois, com Jesus Cristo e Dom Pedro Casaldáliga, aprendi que na dúvida, o melhor é ficar do lado dos pobres, entre eles, os indígenas. Evidente está agora que nas últimas eleições no Brasil o voto de muitos brasileiros foi induzido por uma grande mentira,[1] o que deu força para o ódio, para o negacionismo e o fascismo e nos transformou em motivo de chacota no mundo todo. E agora mais um idiota morreu de Covid. Assim foi identificado mais um imbecil brasileiro, e essa estupidez de defender os malefícios da vacina que tem levado muita gente vai sendo desmascarada.

Estamos num tempo tão absurdamente estranho no Brasil com o avanço de diferentes formas de fascismo que alguns buscam formas de se justificar religiosamente. Eu falo a partir da Igreja Católica na qual participo, mas outras expressões de cristianismo também levaram a esses mesmos lugares de falta de bom senso que convém analisar. Por exemplo: no dia 26/01/2022, de forma polida, meu amigo Almiro Petri queria auxiliar uma católica vinculada à Canção Velha a respeito de sua postagem bastante equivocada no grupo de WhatsApp, eivada de política favorável ao presidente atual e críticas ao arcebispo de Belo Horizonte, presidente da CNBB: “Conviria ter cautela com as afirmações do Sr. Pedro Regis, que se apresenta como ‘catequista’, ‘vidente’ e ‘confidente’ de Nossa Senhora de Anguera (aparições não confirmadas pela Igreja Católica Apostólica Romana) e 'suas revelações'. Antes de mais nada, [é preciso] discernir a partir do Evangelho de Cristo, que contém os fundamentos da Igreja. Negar, por exemplo, o papado do Papa Francisco é pecar contra o Espírito Santo, que não tem perdão.”[2]

Eu apoiei essa observação de Almiro, porque também precisamos urgentemente da vacina contra a intolerância e o fanatismo religiosos e a falta de consciência política. Outra amiga de Belo Horizonte, pessoa de grande discernimento que criou os filhos como manicure e que auxilia nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, completou: “Almiro, confesso que fiquei chocada com a fala dessa pessoa! É muito grave o julgamento dele. Nossa Igreja prega o amor, não a divisão! É preciso ter cuidado com as postagens, principalmente nesse grupo que foi criado para celebrar a vida!”

Quem tinha postado posturas fanáticas como legítimas não aguentou a pressão e as argumentações e saiu do grupo de WhatsApp: “Bom dia! Eu peço licença pra sair do grupo. Eu estava devido a comemoração dos 25 anos de vida sacerdotal do primo Aloir. Pensei que esse não era um grupo para discutir política e sim, para crescer e aumentar nossa fé e amor em nosso Criador Deus Pai... Nesta altura de minha vida discutir política é o que menos quero. Perdão se ofendi alguém. Paz e bem! Fiquem com Deus". O que tenho observado é que as pessoas que postam fake news são as mesmas que não conseguem dialogar ecumenicamente, e acabam servindo de “gado”, votam naquele que o pastor indicou somente porque vai trazer mais dinheiro para a sua igreja.

Depois da postagem equivocada da prima no grupo, eu postei um pedido para lembrar a tragédia Brumadinho, um comentário de que não é tão importante as discussões sobre esquerda ou direita, mas observar que o sistema financeiro é que controla os partidos políticos e, fiz um comentário geral: “A política está no nosso cotidiano como a comida e a religião... não dá para separar...” E decidi escrever algo mais para sairmos da esquizofrenia e/ou da polarização que nos torna tão bitolados ou incapazes de dialogar por falta de habilidade política, algo que meu pai trazia de berço e nos auxiliou a perceber, pois essas “brigas” nos grupos de WhatsApp são comuns.

Para início de conversa, a fé e a vida andam de mãos dadas porque a Igreja Católica nasceu na história de Jesus Cristo, e o senso de realidade é necessário para sermos cristãos de verdade: a prisão, a tortura e a morte de Jesus na cruz foram atos políticos de extrema relevância para nós cristãos, mas também devem ser analisados como fatos culturais, sociais, religiosos etc. para não sermos ingênuos.

Outro aspecto fundamental é que da fé cristã decorre uma consequência ética básica, a do amor ao próximo, o grande mandamento de Jesus Cristo (Mateus 22, 36-40). Por isso, a pergunta que não cala: o que aconteceu nesses 500 anos de Brasil que nos fez achar normal matar os indígenas para tomar seus territórios ou escravizá-los? Muitos acham normal os “bairros nobres” e favelas nas nossas cidades, o desperdício dos ricos e a fome dos pobres ao lado, os cachorros sendo tratados melhor do que as crianças nas periferias, uns poucos privilegiados sugando as riquezas do planeta e a maioria das pessoas excluídas.

Diante dessas sociedades injustas, das quais o Brasil é um dos mais vergonhosos, as reformas de base que foram iniciadas em governos de esquerda, como a Reforma Agrária diante da concentração das terras em grandes latifúndios, isso para dar acesso à terra para as famílias pobres, é algo odiado e rotulado “como coisa de comunista”. O Movimento Sem-Terra (MST), Sem Teto e outros como o Projeto Mais Médicos também são chamados de “comunistas”, e isso parece ser suficiente para serem desqualificados até por pessoas piedosas e de boa fé.

A quem interessa que não sejamos politizados, que somente demos o voto de forma fanática-religiosa, sem consciência reflexa? A quem interessa um povo bitolado, sem estudo, escravo? O próprio Bolsonaro já manifestou em diversas ocasiões que o povo pobre não precisa estudar; precisa é trabalhar como “boi de carga”, que espera do povo brasileiro que atue como “gado”, ao fazer “cercadinho” para interagir com seus eleitores; por isso, ele fala como num potreiro para os seus. Ele não nos trata como gente, porque ele também não é humanizado, foi militarizado para agir dividindo suas milícias em grupos, e assim as forças do Estado são usadas para enriquecer uns poucos, para servir ao capital internacional, para acumular mais riqueza à custa da maioria da população e dos bens que o planeta terra ainda dispõe.

Nesse contexto, o Pastor Sílvio Meincke mostra sua sabedoria e aponta que não somos dados a análises sociológicas da realidade para compreender o Brasil em que vivemos ou não queremos analisar o perfil do partido político em que votamos em profundidade. Existe uma necessidade de intermediação do amor ao próximo através da política. Conhecendo os partidos e as classes sociais a quem representam e a quem defendem, saberemos viver nossa fé política como cristãos seguidores de Jesus Cristo.

Quem veio da roça como eu sabe que temos que preparar bem a terra e plantar boas sementes a fim de ter boas colheitas e engajar-se na prática de um amor ao próximo consequente, partilhar em grande família a abundância do que a terra produz, como faz o MST na distribuição de milhares de toneladas de comida saudável no Brasil. Na política é a mesma coisa: o nosso país tem uma história de exploração e privilégios de uma elite que se perpetua no poder empobrecendo a maioria da população. Por isso, o governo atual apregoa que o povo não deveria estudar, não deveria ir para as universidades. A nossa fé não pode coadunar-se com as injustiças; exige de nós coragem para transformar as estruturas de exploração do próximo e do planeta terra irresponsável como vemos na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal, para melhorar a qualidade de vida das pessoas que foram empobrecidas no Brasil nos últimos anos. Quando nos negamos a estudar a realidade social na qual vivemos e o perfil dos partidos políticos em quem votamos, podemos tornar-nos negadores da fé que professamos: “[...] podemos tornar-nos ridículos, porque denunciaremos como comunistas aqueles que realizam corajosamente o que nós pregamos, mas que não queremos realizar. Não porque somos maus, não porque cremos pouco, não por falta de fé e de religião, não porque não queremos amar, mas porque não fazemos análise da realidade em que vivemos.” [3]

A incrível revolução na vida de cada ser humano é a consciência da proximidade amorosa de Deus Pai (Abbá) porque somos todos irmãos, até os demais seres da natureza com os quais devemos conviver numa ecologia integral. Isso mostra na sua vida de pastor da Igreja o amado Papa Francisco, algo que lhe veio da formação jesuíta de usar da criação tanto quanto nos auxilia para louvar, servir e reverenciar a Deus. A ousadia de Jorge Bergoglio com o Sínodo para a Amazônia ou chamando-nos a vivermos todos como irmãos de Jesus o Cristo, não é seguida por todos os líderes religiosos. Alguns bispos e vários padres católicos possuem teologia incapaz de olhar a complexidade dos fenômenos humanos, menos ainda conseguem olhar a relação dos humanos com Deus ou mesmo compreender o mundo religioso, o que exige um pouco mais de aprofundamento para não se tornarem fanáticos no campo religioso, em geral não separada do político. Porém, convém ampliar nossas mentes para termos consciência de que toda ação humana é política, reforçar nossa adesão ao ponto de união da fé católica em torno do Bispo de Roma e dar lugar à tolerância e ao respeito entre todos os seres humanos. Essa arte vem da política, da diplomacia, do amor ao próximo, do mandamento máximo de Jesus Cristo que é o mesmo Amor a Deus e a si mesmo.

Para criar consciência política, este ano temos a 44ª Romaria da Terra do RS que acontecerá no 1º de março no Parque do IBAMA (Ilópolis), Diocese de Santa Cruz do Sul e o tema que está sendo refletido é “Agricultura Familiar e Agroecologia, sinais de esperança” e o lema é “Irmãos e irmãs, cuidemos da mãe terra”; o Fórum Social das Resistências em 26 a 30 de abril em Porto Alegre (RS), e que se insere dentro dos processos do FSM;[4] o 15º Intereclesial das CEBs do Brasil será realizado de 19 a 23 de julho de 2022, na Diocese de Rondonópolis-Guiratinga (MT); a Romaria dos Mártires da Caminhada, que terá o seu cume em Ribeirão Cascalheira (MT), nos dias 16 e 17 de julho de 2022.

 

[1] O que começou como a "maior operação contra a corrupção do mundo" e degenerou no "maior escândalo judicial do planeta", na verdade, não passou de uma estratégia bem-sucedida dos Estados Unidos para minar a autonomia geopolítica brasileira e acabar com a ameaça representada pelo crescimento de empresas que colocariam em risco seus próprios interesses (https://www.conjur.com.br/2021-abr-10/jornal-frances-mostra-eua-usaram-moro-lava-jato).

[2] Igreja Católica: um grave alerta (https://fb.watch/aH04Ph3-WP/).

[3] Pastor Sílvio Meincke, da IECLB em Santa Catarina e São Leopoldo que mora atualmente na Alemanha (https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de-sociedade/6462564).

[4] O mundo vive um momento de crises sistêmicas que se ... https://www.forumsocialdasresistencias.org.br

Sobre o autor

Aloir Pacini

Antropólogo, jesuíta e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em estágio pós-doutoral com pesquisa sobre o território transnacional dos Guaranis. Fez Mestrado no Museu Nacional (UFRJ) com estudos sobre as Missões com os Rikbaktsa e o Doutorado com os Chiquitanos (UFRGS). Em etnologia indígena, estuda os territórios tradicionais (águas) e suas vinculações com as identidades nas fronteiras dos Estados. Seu trabalho reflete o do cuidado da casa comum (proposta do Papa Francisco) e os papéis das instituições nas sociedades, também da Igreja no contexto de Mato Grosso e Brasil.