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As mãos cheias de caridade se esvaziam de si

Há 2 anos
Os tempos atuais exigem que se coloquem em marcha contra as guerras, a fome e violências
Os tempos atuais exigem que se coloquem em marcha contra as guerras, a fome e violências (foto por Rgbstock)

Não tenham medo (Mc 6,45-52), pois Cristo Ressuscita, sobe aos céus e envia o Espírito Santo, Aleluia![1] (Atos dos Apóstolos 2, 1-4.32-37).

Estas Palavras de Deus tratam de mistérios da fé que são presentes eternos para toda a humanidade e podemos agora, em 2022, atualizar de forma profética tais ações divinas que atingem a criação inteira. Nesse mês de maio, presenciamos a força espiritual do Papa Francisco contrastando com sua fraqueza física, suas palavras fortes mostram que numa guerra não existem vencedores, todos saem perdendo, e a humanidade parece estar entrando em colapso, invertendo a ordem das coisas desejada por Deus, gastando dinheiro com armas para matar, quando podímos usar os recursos que a terra possui para saciar a fome de milhões de irmãos nossos. Os tempos atuais exigem dos cristãos que são o alter Christus, que não fiquem de mãos vazias, mas que se coloquem em marcha contra as guerras, a fome e as violências de governos fascitas.

Imagem: Cristo de mãos vazias usado pelo Conselho Mundial de Igrejas Cristãs para significar os tempos atuais (pintor Flávio Scholles)[2]

 

Se nas mãos de Cristo cheias de Amor foi derramada sobre nós a salvação, assim também nas mãos vazias do Cristo estão nossas debilidades e atitudes generosas porque viemos à luz do dia para estendemos as mãos aos mais necessitados, para vivermos no serviço da Missão de Cristo. Vamos ser humildes o suficiente para reconhecer que não temos como criar o Reino de Deus na sua plenitude entre nós, o que não significa ficar de mãos cruzadas, mas fazer a nossa parte para que esse mundo seja mais justo e fraterno. Podemos perceber os lampejos da presença Divina já aqui e agora, ou mesmo ver que as sementes do Verbo insistem em brotar a todo momento, especialmente neste tempo Pascal. Um sinal está sendo a feira cultural organizada pela JURA UFMT 2022 (Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária Popular), que tomou conta da Praça Alencastro em Cuiabá (MT) nos dias 12 e 13/05 e mostra quanto bem se pode fazer com uma economia solidária que se esvazia em solidariedade por terra, teto e pão.

 

Diana dos Santos (Tupinambá) com o disfarce do busto de um governador para homenagear o jesuíta Padre José Tem Cate, figura de destaque em Cuiabá (12/05/2022)

 

O momento atual em que vivemos no Brasil é grave e a CNBB, reunida em Assembleia Geral no mesmo momento em Aparecida do Norte alerta no dia 26/04/2022 para as ameaças de ruptura da lizura do pleito eleitoral, e aponta para duas ameaças que merecem atenção especial: a manipulação religiosa e disseminação de fake news. A crise social e política é profunda e a devastação da natureza está a passos largos, sem precedentes, e as consequências já aparecem em vidas ceifadas dos seus defensores. Por isso, somos chamadas/os a atuar de forma coordendada e em comunhão e faz-se necessário compreender que a Páscoa acontece, primeiramente, dentro de cada uma/um de nós no corpo, nos sonhos e nas comunidades humanas para irradiar na história das comunidades e dos povos empobrecidos, excluídos, marginalizados, com aqueles e aquelas com quem compartilhamos nossa vida e missão.

Em meio às angústias das guerras e outras aflições relacionadas especificamente com as invasões dos territórios dos povos indígenas no Brasil e o consequente massacre que vêm sofrendo nos últimos anos, os jesuítas se reuniram com o Provincial na Diocese de Juína para discernir como dar continuidade ao trabalho do Padre João Dornstauder e do Padre Balduíno Loebens. São 9 povos indígenas na Diocese que vivem de formas muito diferentes, pois suas realidades e culturas são muito originais. Cada uma merece um cuidado especial; por isso, em vista de articular as atividades junto aos povos indígenas, sem-terra e outros empobrecidos da região, a partir de Fontanillas, onde o padre Balduino deixou sua vida marcada por um serviço abnegado na bio-saúde,[3] os padres José Miguel Clemente Clavijo sJ e Rafael Leria Ortega sJ comporão comunidade de vida com o padre Sidney Roberto Batista Ramos, nativo de Juína que atua na Comissão Pastoral da Terra (CPT). O que nos motiva é a esperança em Cristo, “que faz novas todas as coisas” e nos faz ver tudo novo em Cristo (500 anos da conversão de Santo Inácio de Loyola). A partir da Ressurreição e de Pentecostes, Jesus renova nosso jeito de educar, nos ajudando a “falar com sabedoria e a ensinar com amor” (CF 2022).

Por isso, em diálogo com dom Neri Tondello, que se articula com o novo momento da Igreja na Amazônia, nosso discernimento aponta que o Núcleo Apostólico Mato Grosso faça parte da preferência apostólica Amazônia, pois o Papa Paulo VI já dizia que o Cristo aponta para a Amazônia. Vamos todos, a partir das periferias do mundo, com as preferências apostólicas no nosso meio, concentrar nossas forças e corações num trabalho generoso na Igreja de Jesus Cristo a partir de Juína, Cuiabá e Sinop, em todos os campos de nossa Missão podemos chegar também à Ressurreição se deixarmos o Espírito Santo inspirar nossas ações. Se as Palavras inspiradas trazem algum sentido, saram e curam as faltas e os vazios podemos dar continuidade na Missão na Igreja que já começou porque Cristo já estava lá antes de nós.

De forma profética, no final do Encontro, dom Neri fez uma janta e ofereceu para os missionários que ali se reuniram. Como os discípulos de Emaús que, quando encontraram Jesus que tinha ressuscitado no Caminho e o convidaram para entrar em sua casa para ali passar a noite e o reconheceram na partilha do seu pão nosso de cada dia, tiveram a coragem de fazer o caminho de volta, “recuperaram a alegria, se encheram de entusiasmo, de paz reavivaram as razões de sua esperança e começaram uma vida nova, graças à certeza da vitória de Cristo sobre as doenças, pecados e morte”. Assim, Fontanillas será o lugar para mostrar que cuidar da Casa Comum é possível.

Assim vi o encontro dos planetas Vênus e Júpiter, antes do amanhecer, ao olhar na direção do nascer do Sol, os céus mostravam os planetas considerados os mais brilhantes, pois se encontravam no céu desde planeta terra, a conjunção na madrugada do sábado 30/04/2022 quanto na madrugada do domingo 1º de maio. No dia do trabalhador que marca a chegada de dom Mário Antônio da Silva para assumir o serviço pastoral da arquidiocese de Cuiabá percebemos a diferença entre a Romaria do Trabalhador que saía de Jerusalém desanimada com a morte cruel de Jesus na cruz e a Romaria que voltava de Emaús, alegre com a Ressurreição. Esse lugar de encontro do Pantanal com o Cerrado e a Amazônia recebeu com esperança e alegria seu novo arcebispo que usou de palavras sábias para motivar os padres na Missa do Crisma (05/05/2022) a usar as nossas mãos de Padres que foram ungidas para servir e para amar aos mais empobrecidos, no caminho, como o fez Jesus Cristo.

Também convém fazer ressoar sua homilia de despedida de Roraima, no dia 24 de abril de 2022, quando denunciou profeticamente a invasão do território Yanomami: “a omissão e a responsabilidade do governo federal que, ao invés de cumprir seu papel constitucional na defesa dos povos indígenas e de suas terras, patrimônio da União, incentiva as invasões e coloca na pauta do Congresso Nacional o projeto de lei que legaliza a mineração em terras indígenas. Tal proposta não passa de uma ilusão enganadora de supostos benefícios. Sofrem os povos indígenas, a natureza, os ribeirinhos e as cidades com os rios e os peixes envenenados pelo mercúrio, e sofrem também as pessoas iludidas que buscam no garimpo um modo de escapar das duras condições de vida no Brasil, mas encontram servidão, violência, drogas e morte. Deus nos livre dessa maldição!”

 

[1] Minha sugestão é escutar a canção Hallelujah, uma grande obra musical do cantor canadense Leonard Cohen, incrivelmente bela antes de ler este texto https://www.vagalume.com.br/leonard-cohen/hallelujah-traducao.html

[2] O Templo vazio como tradição mística de Meister Eckhart (1260) teve a bênção extraordinária Urbi et Orbi, pedindo o fim da pandemia do covid 19 no Vaticano, com a Basílica de São Pedro "vazia" (27/03/2020), mas cheio de significados porque transmitida para o mundo todo (o povo desse planeta pensado como Casa Comum), com grande densidade para o Papa Francisco que celebra depois a abertura da Semana Santa (Domingo de Ramos até a Páscoa: 5-12/04/2020), quase nas mesmas circunstâncias.

[3] Em Juína o Padre Felício Fritsch dedica-se em vencer a Esclerose Lateral Amiotrófica com a presença fundamental do Padre Claudio Lehnen para o auxiliar, bem como da Neide, Emília e tantos outros de uma rede de solidariedade que se criou em torno desse trabalho que serve de exemplo na Pastoral da Saúde da Diocese, como uma nova Betânia.

Sobre o autor

Aloir Pacini

Antropólogo, jesuíta e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em estágio pós-doutoral com pesquisa sobre o território transnacional dos Guaranis. Fez Mestrado no Museu Nacional (UFRJ) com estudos sobre as Missões com os Rikbaktsa e o Doutorado com os Chiquitanos (UFRGS). Em etnologia indígena, estuda os territórios tradicionais (águas) e suas vinculações com as identidades nas fronteiras dos Estados. Seu trabalho reflete o do cuidado da casa comum (proposta do Papa Francisco) e os papéis das instituições nas sociedades, também da Igreja no contexto de Mato Grosso e Brasil.