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Despolitização é terreno fértil para brotar o fascismo e suas idolatrias

Há 2 anos
Bruno Latour: reflexões importantes a serem aplicadas ao Brasil atual
Bruno Latour: reflexões importantes a serem aplicadas ao Brasil atual (foto por Antoine Doyen's archives)

Bruno Latour, considerado um dos principais nomes do pensamento ecológico contemporâneo, morreu aos 75 anos de idade no dia 9 deste mês, deixando um legado importante de reflexões a respeito do antropoceno e da teoria do ator-rede o que nos coloca desde 1990 diante do aumento das desigualdades sociais, das mutações climáticas e da pandemia de Covid-19 que levou cerca de 700 mil conterrâneos, sendo que mais da metade das mortes poderiam ser evitadas se o governo agisse com responsabilidade.

Por isso, o filósofo Walter Benjamin denuncia o capitalismo como religião, um comportamento tipificado como adoração ao dinheiro, ao deus-Mamon que é dito também mercado, que submete o Brasil à venda de suas riquezas a custo do Pantanal, Cerrado e Amazônia e com o sacrifício de milhões de brasileiros que passam fome. Jesus afirma que é impossível servir a Deus e ao dinheiro, e Santo Inácio de Loyola auxilia o discernimento, pois os bens devem ser usados tanto quanto auxiliam para servir, louvar e reverenciar a Deus. Nessa linha de espiritualidade, o Papa Francisco denunciou que o oposto da fé não seria a incredulidade, mas essa idolatria do dinheiro.

A maioria das pessoas diz ter medo de serem agredidas em razão das suas escolhas políticas, mas é preciso afirmar que majoritariamente o medo e as agressões são dos bolsonaristas que não possuem argumentos, por isso partem para agressões verbais e físicas. O apoio ao mito não é baseado racionalmente, mas em sentimentos que brotam de doutrinação que usa fakenews e conecta com um ódio dentro de cada um de nós. Temos que mostrar a falsidade dos discursos que brotam desse governo perverso, mas não conseguimos isso sem usar talvez uma linguagem religiosa. Porém quero mostrar racionalmente que o Brasil corre grande risco se permanecer no poder dos fascistas.

Os discursos de ódio entre os católicos é o que eu desejo mencionar aqui, pois existe uma doutrinação impressionante entre pentecostais fanáticos que criam serpentes que vão picar a eles mesmos, pois o Jesus Cristo vivo e verdadeiro não dá conta de ficar perto desse povo tão perverso, uma vez que a violência verbal também se espalha em ações concretas, haja vista a avalanche de preconceitos contra os nordestinos derramados nas redes sociais, o que envergonha qualquer pessoa com dignidade nesse país.[1]

Jung Mo Sung, teólogo católico coreano radicado no Brasil desde 1966, também já alertou para o perigo do “dinheiro elevado à categoria de deus” para o consumo sem limites, mesmo do sagrado, que leva à degeneração da fé, pois se torna idolátrica, ou seja, Deus se torna o meio para chegar à satisfação dos desejos egocêntricos. Aqui aparece o pecado da espiritualidade do capitalismo, o que Max Weber identificou como o espírito do protestantismo, a idolatria que apareceu como adoração da arma de fogo na marcha para Jesus. O Senado Federal vem reforçado pelo bolsonarismo e o presidente já enviou os pastores eleitos (demônios) par o Nordeste para converter as pessoas para adorar o bezerro de ouro ou para uma cruzada contra a Democracia no Brasil e suas forças progressistas.

O livro do jornalista Delcio Monteiro de Lima, Os demônios descem do Norte, publicado em 1987, torna-se atual, porque elucida o fenômeno sociológico e religioso bastante pertinente da nossa história recente com repercussões na política e na economia do Brasil. A ideologia capitalista se apropriou do fenômeno religioso surgido na América do Norte no século 19 que possui o princípio da prosperidade como sinal das bênçãos de Deus. O protestantismo norte-americano e das igrejas e pseudocristãs não podem ser dissociadas dos ideais capitalistas (segundo Max Weber em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo), uma empreitada que se aproveita da efervescência religiosa do século passado para somar forças nos novos movimentos colonizadores pela América Latina.

Não parecia possível que voltássemos a viver tempos tão obscuros semelhantes aos da ditadura militar no Brasil, mas Eduardo Galeano já havia alertado sobre os demônios que nos dividem,[2] para mostrar a estratégia dos EUA em enviar pastores para dividir a Igreja Católica, tirando as pessoas dessa força do Evangelho que pedia justiça social e a partilha do pão para todo o povo oprimido.

Mas também de dentro da Igreja Católica, trazendo movimentos carismáticos que encontram baluartes na Canção Velha, nos cismas dos primeiros séculos da Igreja, e sabem como perverter o anúncio do Cristo com projetos de poder insubmissos e coniventes com os fascismos que crescem nas fileiras das Igrejas por causa de pregações alucinadas contra um suposto comunismo, porque não sabem do que estão falando, contra ideologia de gênero etc. Demônios criados por eles mesmos para juntar sua grei contra um inimigo comum. Até o cardeal de São Paulo, Odilo Scherer, foi acusado de ser comunista por usar roupas vermelhas.

Ou seja, o exclusivismo excludente e segregacionista aparece também nas correntes pentecostais dentro da Igreja Católica para arrepio de tantos santos que deram a vida pela Igreja, algo que é inerente aos fundamentalismos e nega o Evangelho naquilo que é o ápice da nossa fé, o Cristo crucificado e ressuscitado que é confirmado na sua mensagem fundamental: o amor ao próximo deve chegar até os inimigos, amar como Cristo nos amou! A espiritualidade da fé cristã está no mandamento deixado por Jesus. Fora do Amor o cristianismo das seitas que tomaram o Brasil degenera-se rapidamente em idolatrias em cultos públicos que tratam o mito como um deus!

E o pior é que esse mito perverso se insinua dentro das Igrejas disfarçado em flagrante promiscuidade que vemos acontecer nalgumas igrejas como a de Silas Malafaia, que chegou a querer fazer a sua política suja como se devoto fosse do Círio de Nazaré (em Belém do Pará), de Nossa Senhora Aparecida (SP), mas somente quer espalhar cizânia e dividir a Igreja Católica; não sabe respeitar as instâncias das instituições como a CNBB,[3] para os diálogos necessários.

Eu me pergunto como podem querer fazer grudar nos opositores o que é o problema deles, os preconceitos e os traumas mal trabalhados pelos políticos de extrema direita que destilam ódio por todo lado, na verdade estão falando de si mesmos. As defesas da censura, da tortura e da pena de morte, até o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso no passado se multiplicam no governo atual, ou seja, não houve mudança para quem deseja observar em profundidade. Um caso é o que uma entrevista que o mito concedeu ao jornal New York Times no ano de 2016, com agressões xenófobas às mulheres haitianas pois não fez sexo com uma mulher haitiana “pela falta de higiene”, ou mesmo no caso mais recente das meninas venezuelanas porque “pintou um clima” para o presidente. Também diz que aborto é "decisão do casal" e não caso de política pública, contudo as mulheres morrem nos abortos clandestinos, mostram as pesquisas, algo que já se tornou público. Apesar de eu ser contra o aborto, é um assunto que deve ser compreendido na sua complexidade.[4]

O certo é que tudo está interligado e um antropólogo precisa fazer análise para compreender que os processos políticos que se utilizam da religião tendem ao fanatismo, um totalitarismo que exige a eliminação do Outro. Não quero compreender que isso esteja no DNA do Cristianismo, mas do judaísmo antigo talvez que faz ainda hoje o “Cerco de Jericó” para influenciar divisões na Igreja Católica no meio de nós.

Os dados mostram que a democracia e a Amazônia não sobrevive, nem mesmo nós que trabalhamos nas universidades a mais um mandato desse governo perverso que se instalou no Brasil. E que conste que não sou filiado ao PT, mas não podemos ser omissos como cidadãos “na busca de um país mais justo, fraterno e solidário” (Documento da CNBB, nota 3) e, em consciência, penso ser pecado grave (contra Deus e contra o povo de Deus) é votar no mito demoníaco.

 

[1] Já vivemos a experiência de guerra entre católicos e protestantes na Europa iniciada em 1618 e somente amenizada com a Paz de Vestfália em 24/10/1648.

[2] https://ihu.unisinos.br/categorias/169-noticias-2015/541892-os-demonios-do-demonio-por-eduardo-galeano

[3] Em 11/10/2022 a CNBB lamenta intensificação da exploração da fé e da religião para angariar votos no segundo turno.

[4] Revista republica entrevista em que Bolsonaro diz que aborto é "decisão do casal" e defende o fuzilamento de FHC - Brasil 247...

Sobre o autor

Aloir Pacini

Antropólogo, jesuíta e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em estágio pós-doutoral com pesquisa sobre o território transnacional dos Guaranis. Fez Mestrado no Museu Nacional (UFRJ) com estudos sobre as Missões com os Rikbaktsa e o Doutorado com os Chiquitanos (UFRGS). Em etnologia indígena, estuda os territórios tradicionais (águas) e suas vinculações com as identidades nas fronteiras dos Estados. Seu trabalho reflete o do cuidado da casa comum (proposta do Papa Francisco) e os papéis das instituições nas sociedades, também da Igreja no contexto de Mato Grosso e Brasil.