Hora do chá
Lá fora o clima é desértico. Cinco regiões da Itália, as mais industrializadas, que se desenvolveram ao longo do rio Pó, declararam estado de emergência por causa da seca.
O verão ainda não atingiu o seu momento mais quente e a sensação é de estar atravessando o deserto do Saara. Não é carnaval. E a chuva que lança a areia do Saara sobre os automóveis de Roma também já não cai das nuvens carregadas de umidade.
Prometeram que a temperatura irá cair nos próximos dias. Prometeram de novo. Continuam prometendo. Amanhá certamente irão prometer.
A calota de uma montanha derreteu e desabou sobre turistas na região do Trentino. Vários mortos e desaparecidos.
Os trabalhadores braçais do sul da Itália exigem uma pausa de duas horas na colheita, nas horas mais quentes do dia. O corpo não aguenta. O líder dos trabalhadores está fazendo greve de fome para ser ouvido pelas autoridades. Será ouvido. É um homem justo, que defende ideias justas. A sua envergadura moral não pode passar despercebida. Ainda que seja um homem só, numa praça vazia, ensolarada, pegando fogo. Ele está ali, apenas com uma garrafa de água para evitar o pior.
As estatísticas mostram que o turismo teve um aumento de trinta e cinco por cento neste verão. Apesar disso, trinta por cento dos restaurantes e hotéis correm o risco de fechar. Garçons continuam a ser chamados para trabalhar informalmente por salários irrisórios.
A covid aumenta. É menos agressiva, provoca menos casos graves, mas aumenta. Nada pode ser feito, além de tudo o que as pessoas já sabem. E todo mundo sabe que ninguém mais está disposto a tomar medidas drásticas por falta de coesão social.
Ninguém quer abrir mão do aperitivo.
Ninguém está disposto a abrir mão dos subsídios.
Ninguém quer pagar impostos.
Ninguém acha que contribui para a crise e também não se sente responsável por resolvê-la. Ninguém é de ninguém. E o problema são sempre os outros.
Virá setembro.
Já começaram a reduzir o fornecimento de gás.
Já aumentaram o nível das ajudas humanitárias.
Não existem vasos comunicantes no sistema financeiro.
A vida esvai entre os dedos como areia. Faz calor.
E o meu coração gela só de pensar que setembro, com as suas folhas amareladas, o sol tépido, os dias que curtam, trará consigo uma onda esperada, mas incontrolável.
E nós seremos chamados àquilo que sabemos fazer: viver, sobreviver, lembrar.
Poderíamos fazer mais, mas esse é um sonho distante, que não cabe em uma tarde abafada e superficial de verão. Tomemos um chá frio. Comamos dois biscoitinhos.
Gislaine Marins
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