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Gênova não é aqui

Há 1 ano
Cena do filme "Gênova"
Cena do filme "Gênova" (foto por Reprodução / Divulgação)

Cinema é o melhor lugar para chorar no mundo. No escuro da sala, as lágrimas podem rolar em silêncio em meio à distração do público. Ninguém percebe, só quem sente o escorrer líquido sobre as faces e o sabor salgado que entra pelos cantos da boca muda.

Quase chorei assistindo ao último filme de Steven Spielberg, “Os Fabelmans”. É uma história de amor pelo cinema e de descoberta da realidade que nos machuca, como um punhal de luz, abrindo à força os nossos olhos. Nenhuma das escolhas dos personagens é feita de maneira indolorosa. Tudo é um sofrimento contido, permeado por momentos de cotidianeidade e uma busca tão intensa quanto oculta de uma normalidade, quando nada na vida pode ser normal, se a vida de cada pessoa é única e irrepetível.

Pensei comigo: Gênova não é aqui. E segurei o choro.

Gênova é uma cidade maravilhosa. Sei que na Itália todo mundo compara o Rio de Janeiro a Nápoles e faz todo sentido: o Rio tem o Corcovado e Nápoles tem o Vesúvio. Ambas são um esplendor natural que se espelha nas águas das suas baías e um purgatório da beleza, como sopraria nos nossos ouvidos uma velha canção. Ambas com os seus respectivos caos e o sequestro da alegria por mão do crime organizado. Ambas com a força da cultura popular, da música e do futebol.

E no entanto há Gênova, que escala montanhas. Gênova que desce pelas ruas estreitas à procura do porto. Gênova da classe trabalhadora, das prostitutas, dos músicos, dos humoristas, dos intelectuais, da aristocracia. E há Gênova no cinema.

Ao ver o filme de Spielberg lembrei imediatamente de outra história de família: “Gênova”, de Michael Winterbottom. É um filme sobre como recomeçar a vida quando a perda da mãe exige um novo futuro e uma nova coragem. Desabei, não porque me coloquei no papel de filha órfã, mas porque imaginei o que isso poderia significar para o meu filho. É que a gente não nasce mãe e não está preparada para este papel: são os filhos que nos moldam, de acordo com as suas necessidades. São eles que se revoltam e escavam as nossas rugas e os nossos defeitos também. 

Há outros filmes que nos ensinam isso. Dizem que são destinados ao público infantil, mas não é verdade. Um deles é “À procura de Nemo”, de Andrew Stanton e Lee Unkrich; outro é “Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar”, de Hayao Miyazaki. Em todos, um ponto em comum: uma mãe ausente que obriga os personagens a descobrirem novas trilhas. Mas em todos há também uma mãe presente na ausência, porque as mães são eternas na nossa memória. Se os filhos moldam as suas mães, também são moldados por elas.

As mães são entidades de uma concretude inesquecível, são o calor de um abraço que nunca acaba. Ao mesmo tempo, abarcam toda a abstração e o mistério do mundo. Elas nos interrogam quando estão em silêncio e nos questionam à distância. E os nossos caminhos precisam dar uma resposta, um passo que seja, que a vida é caminhar, repisando outros passos e inventando aqueles que ninguém nos ensinou. 

Gênova não é aqui. Não é em Roma, não é em Nápoles, não é no Rio. Segurei o choro. As mães estão em todo lugar e repetem que a vida é uma aventura única e requer verdade, honestidade e coragem para ser saboreada e sofrida. Se precisar chorar para entender a lição, chore. Viva. Respire fundo. Ame.

Sobre o autor

Gislaine Marins

É doutora em Letras, professora, tradutora e mãe.