A banalidade do bem

Assim como há pessoas que justificam a sua maldade declarando que apenas cumpriam ordens, há aquelas que são protagonistas de gestos de bondade e justificam-se dizendo que fizeram sem pensar muito. É verdade que o bem, na maioria das vezes, é gratuito, e quem pratica não leva vantagem nenhuma. Mas às vezes é inútil, pois quem recebe não reconhece o que obteve. A gratuidade não gera necessariamente gratidão.
Então alguém dirá: “fazei o bem sem olhar a quem!”. Ou recordará que praticar o bem é a virtude dos altruístas. É, sim, e não perde a sua validade. Mas não seria nada mal se, além da banalidade do bem, as pessoas assumissem a responsabilidade do bem.
Explico: a humanidade já deveria ter atingido a maturidade de escolher o bem como prática preferencial. A tendência para o bem não deveria ser um impulso meramente natural, mas uma aprendizagem, um discernimento e uma decisão. A prática do bem deveria ser ética. A prática do bem deveria ir além das convenções sociais e dos moralismos. A prática do bem deveria ser uma postura diante da vida, com todas as suas consequências. Deveria ser plena, apesar dos esforços para ser alcançada.
O risco de não pensar no bem que se pratica é como a ingenuidade da criança, que acerta ou erra sem ter noção das diferenças, que precisa ser educada para agir na sociedade. O bem exige discernimento para ser uma postura de vida e não uma casualidade. Mais do que isso: praticar o bem não é preencher um vazio que pode ser ocupado pelo mal. É transformar o mal que existe dentro de nós. Por isso exige esforço e não raramente sacrifícios.
Recentemente assisti a um episódio de um projeto realizado por um ator italiano com crianças e o tema era justamente esse: o mal. Um menino de dez anos, falando de uma figura incontornável da história italiana, Mussolini, disse com a inexperiência da sua idade que o garoto Benito, se tivesse tido afeto e amigos, talvez não tivesse se transformado em um homem mau. Seria simples um mundo assim, mas o grande desafio que somos chamados a enfrentar não é apenas preencher o mundo com amor, mas praticar o amor transformador, que questiona, que sabe apontar os erros e indicar soluções.
Desconheço a biografia do pequeno Benito, além daqueles dados de domínio público, como o fato de ser filho da uma professora e de ter-se envolvido em uma briga quando estava na quarta série que lhe custou a transferência para não ser rebaixado ao segundo ano. Também se sabe que não viveu a sua condição modesta e a severa educação de forma leve. No entanto, pensando nas milhares de crianças que vivem na pobreza e dificuldades na escola, questiono-me sobre como é possível o sistema formar tantas pessoas boas e tão poucas más? Se a educação é formadora e transformadora, então a educação não preenche o vazio que pode ser ocupado pelo mal. A educação substitui o mal que existe por valores éticos.
Nem todo mundo pensa assim, e quem defende a chamada “escola sem partido” também dá aval ao bem como uma espécie de panaceia inexplicável para problemas que não são analisados profundamente. A questão para a escola sem partido é não abrir temas polêmicos. Não falar de Mussolini, não mencionar Che Guevara, assim ninguém vai sentir, ninguém vai pensar, o bem preencherá o mundo de maneira atávica, por osmose geracional, por costume e por tradição.
Recentemente, conversando com uma pessoa sobre a obra de Carlos Drummond de Andrade, ouvi dizer que a sua poesia é legal. Fiquei estarrecida. Como pode ser banalizado com o adjetivo “legal” aquilo que foi esculpido por meio de palavras como o sentimento de um mundo desesperador, rodeado de morte, no qual o sujeito lírico desafia as suas lembranças? Nesses tempos de mal disseminado, assusta-me ainda mais o bem inconsciente, que imortaliza a irresponsabilidade de quem deveria zelar pela memória histórica, inclusive para que o mal não tivesse um lugar tolerado em um mundo que se pretende mais evoluído e mais humano do que o nosso passado.

Gislaine Marins
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