Nem turista, nem transeunte

Gislaine Marins
Passando pelas ruas de Roma, milhões de vezes retratadas, fotografadas, filmadas, parece que tudo já foi visto e dito. Passando todos os dias por elas, desviando-se dos grupos de turistas, dos buracos no asfalto, das barreiras que impedem cada vez mais o acesso a lugares públicos por razões de segurança ou para evitar acidentes por excesso de presenças físicas em espaços extremamente frágeis, percebo que há sempre muito a ser descoberto nesta cidade.
Ao redor do Castelo de Santo Angelo, hoje surge uma enorme praça, que une em um único triângulo as margens do rio e o início da rua que leva diretamente à Basílica de São Pedro. Podemos encontrar os turistas nestas três direções: fazendo um selfie diante do Castelo, debruçando-se perigosamente sobre o muro para fotografar-se com o Tibre às costas ou mirando alguma poça d’água para fotografar a igreja com a sua imagem refletida.
Enquanto isso, a dois passos do Castelo, um pequeno parque oferece bancos para um breve descanso, árvores que convidam a uma pausa e espaço para a imaginação. Não encontramos muitos turistas por ali. Não encontramos vendedores ambulantes. Não encontramos quiosques. Não encontramos nem mesmo muito rumor. Com alguma sorte, encontramos, olhando para o alto, o ninho de alguma rolinha ou podemos escutar o canto de algum pássaro desconhecido para os nossos ouvidos imigrantes, acostumados aos quero-queros e aos bem-te-vis.
Crianças não há, assim como quase já não há romanos no centro de Roma. Também não há idosos, que talvez já estejam resignados às periferias que aceitaram sob a pressão da especulação imobiliária. Não há confetes pelo chão: o carnaval passou despercebido por aqui.
Olhando bem, há dois jovens. Ela deitada no banco, usando a bolsa como travesseiro. Ele sentado, com a sua mochila ao lado. Concentradíssimos. Desconectados da lógica da exposição pelas redes sociais de tudo o que se vê. Distantes dos lugares mais barulhentos e que poderiam transformá-los imediatamente em indivíduos viralizados, dada a excentricidade da sua ação: ler. Em um mundo em constante movimento, capturado em imagens sob todas as formas, eles leem.
Com um olhar literário, que não pode ser turístico, mas quer ser mais do que transeunte, imaginei que ela poderia chamar-se Giulietta e ele Romeo. Romeo, vindo de Roma. Giulietta, como as Júlias que Roma deu ao mundo: a mãe de Marco Antônio, a irmã de Júlio César, a filha de Augusto e tantas outras. Poderiam ser personagens de Italo Calvino, cada um com o seu livro, numa tarde de inverno. Os escritores possuem o poder de imaginar aquilo que um dia talvez possa acontecer, não somente o que pode ter acontecido.
Se fosse uma tragédia, o desfecho seria óbvio e, naturalmente, triste. Mas o parco existe, os leitores existem, a tarde existe. Apenas eu passo, deixando sob os meus rastros uma leve esperança – mero fruto da minha emotividade – de que aqueles dois jovens, tão raros nos dias de hoje, poderiam encontrar-se não apenas na condição de leitores, mas de pessoas que fecham as páginas do livro, levantam, cruzam os seus olhares e iniciam uma história de amor, como aquela de Calvino: no seu livro ou no meu?

Gislaine Marins
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