Cookies e Política de Privacidade
A SIGNIS Agência de Notícias utiliza cookies para personalizar conteúdos e melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Reflexões sobre a comunicação eclesial no Brasil

Há 3 anos
Reflexões sobre a comunicação eclesial no Brasil
(foto por Luís Henrique Marques)

            A proposta que serviu de base para a apresentação de ideias que vêm a seguir foi bastante simples: fazer um elenco de considerações críticas e sugestões para a Igreja no América Latina a respeito da comunicação eclesial, como uma contribuição da SIGNIS Brasil às reflexões a serem feitas durante a Assembleia Eclesial Latino-Americana, a ser realizada em novembro, na Cidade do México. O grupo que participou dessa roda de conversa, feita na noite da última sexta-feira, 27 de agosto, era bastante reduzido, mas não nem por isso não entusiasmado com a iniciativa de refletir sobre esse tema. Vamos às principais considerações levantadas, parte das quais coincidem com propostas a serem levadas a cabo (ou intensificadas):

  • Instrumentalização: é ainda muito presente na visão, sobretudo de membros do clero e leigos, uma abordagem meramente instrumental de práticas e recursos de comunicação nos ambientes eclesiais. Isso corresponde a um volume grande de trabalho, mas que, por vezes, limita-se à difusão de informações e a promoção de certos interesses (mesmo se legítimos) e menos uma comunicação criativa e a serviço da formação de uma consciência crítica ante a realidade.
  • Devoção excessiva: muitas práticas comunicacionais refletem e/ou são reflexo de uma religiosidade meramente devocional, incapaz de mobilizar os fiéis à ação social transformadora da realidade política, social e cultural que corresponda ao projeto de Deus para a comunidade. Essa devoção – embora legítima – tende a contribuir para uma consciência mágica, também na relação com o sagrado. A redução da religiosidade a práticas devocionais tende a negar espaço ou ignorar a ação das pastorais sociais, por exemplo, e o compromisso da Igreja em construir o Reino de Deus já aqui nessa Terra, o que significa fazer a opção preferencial pelos pobres. Trata-se, enfim, de produzir uma comunicação que coloque o povo simples, frequentemente sofredor, o papel de protagonista na sustentação da vida da comunidade eclesial.
  • Falta de investimento: em recursos materiais e humanos em comunicação. À parte a natural dificuldade econômica em que se encontram muitas comunidades, tem-se a impressão de que a prática comunicacional está sempre sujeita à improvisação, à boa vontade e generosidade das pessoas diretamente envolvidas. Embora a comunicação (interpessoal ou mediada pelos símbolos e ritos, pelas mídias convencionais ou redes sociais) seja fundamental para a missão cristã, essa tende a ser tratada de forma improvisada e não como prioridade, em muitos casos.
  • Falta de formação em comunicação: a começar pelos futuros sacerdotes (isto é, nos seminários), mas também do povo em geral. Embora motivo de reclamações e conflitos, a deficiência numa educação para a comunicação (tanto eclesial quanto civil) não é objeto de atenção devida. O assunto torna-se ainda mais grave se considerado o contexto de amplo uso das redes sociais, em que cada fiel é um comunicador e comunica em favor ou contra a Igreja. Está associada a essa formação a preparação mais especializada de profissionais de comunicação e agentes de pastoral que atuam mais específica e diretamente na produção de conteúdo a serem comunicados. Nesse sentido, é fundamental resgatar o valor de alguns documentos, a começar do decreto Inter Mirifica (1963), na orientação de uma prática comunicacional coerente com a missão da Igreja.
  • Linguagem autorreferencial: em corroboração ao item anterior, muitas vezes, a Igreja fala para si mesma, quando deveria se comunicar de forma mais universal, visando o bem de toda humanidade.
  • Testemunho: a Igreja pode investir mais nas narrativas que dão testemunho da vida que existe no âmbito de suas comunidades. Esses testemunhos, muitas vezes, se revelam uma “luz” mais eficiente em resposta às demandas da humanidade do que discursos fundamentados numa teoria desprovida de sabedoria porque descolada da realidade concreta. Mas aqui cabe um alerta: não se doa o que não se tem. Sem a experiência concretizada, não há o que testemunhar ou há um testemunho que cause o impacto real junto à opinião pública.
  • Relações interpessoais: a falta de testemunho pessoal também contribui para criar um ambiente nocivo à vida da Igreja, em que disputas, fofocas e uma postura moralmente condenável dá o tom das relações. Certamente, isso não é algo generalizado, mas resiste e talvez tenha sido ampliado com as disputas motivadas pela polarização político-ideológica dos últimos tempos e pelo uso descuidado, quando não irresponsável, das redes sociais.
  • Marketing aplicado à religião: embora o marketing em si seja uma ferramenta desprovida de visão ideológica e, por isso, também útil à causa da evangelização, no âmbito da Igreja Católica, ele tem ganho espaço cujo direcionamento pode ser considerado no mínimo questionável no que diz respeito à coerência com a mensagem evangélica. Isso acontece quando esse modelo de marketing supervaloriza a venda de produtos, cria modelos estereotipados de conduta católica
  • Falta de unidade: um dos testemunhos que podem ser dados, especialmente por veículos e profissionais de comunicação de inspiração cristã, é o da unidade. Muitas vezes, há ainda muitos desses que reproduzem a postura do mercado civil, em que a concorrência é o que determina as relações e não a comunhão, sinergia e cooperação recíprocas. Nesse sentido, vale salientar o esforço e algumas conquistas que a SIGNIS Brasil têm feito no sentido de reunir e promover a cooperação entre seus veículos associados, tendo como prioridade as causas da Igreja.
  • Mais espaço para o protagonismo das mulheres: embora tenha havido avanços nesse sentido, desde o Concílio Vaticano II, a prática comunicacional da Igreja é ainda muito mais dirigida por homens, o que talvez espelhe o fato de que sua hierarquia é exclusivamente masculina e ocupa mais espaços.

 As principais considerações feitas a respeito da realidade atual da comunicação eclesial partiram, naturalmente, de percepções e experiências pessoais de profissionais de comunicação que têm uma atuação tanto pastoral quanto profissional no âmbito da Igreja no Brasil. Elas, portanto, não esgotam o assunto. De maneira geral, são considerações críticas a uma realidade recorrente, a despeito do esforço que lideranças, profissionais de comunicação e agentes da PasCom seguem realizando no sentido de cumprirem sua missão na Igreja. Além disso, a maior parte dessas considerações podem ser feitas tanto para o âmbito da comunicação eclesial tanto interna quanto externa. À parte o compromisso de contribuir com a Assembleia Eclesial Latino-americana, a proposta da SIGNIS Brasil é seguir criando espaços de reflexão sobre o assunto. Por isso, aguardem novidades a respeito em breve.

Sobre o autor

Luis Henrique Marques

Jornalista e editor-chefe das revistas Cidade Nova e Ekklesía Brasil, da Editora Cidade Nova. É mestre em comunicação e doutor em história pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e tem pós-doutorado em comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Foi secretário da Diretoria da SIGNIS Brasil no triênio 2020-2022 e editor-chefe da Agência SIGNIS. Blog profissional: prof-luis-marques.webnode.com

Mais lidas