A beleza que existe para além da cruz

Fico impressionado com as manifestações da piedade popular que ocorrem Brasil afora durante esse período da Quaresma, especialmente por ocasião da Sexta-feira Santa. Para além das músicas, danças e cores, o que me chama atenção é justamente a fé com que as pessoas – sobretudo as mais simples – se entregam a essas manifestações. Em alguns casos, chega a ser comovente. Mas também tenho a sensação que, dada à simplicidade de compreensão que parece guiar tais manifestações, para outros, acaba-se dando uma imagem equivocada da fé cristã, sugerindo, talvez, que o sofrimento da cruz deva ser celebrado por si mesmo, quase numa perspectiva masoquista ou mágica.
“Deus não está em nós como o crucifixo que, às vezes, mais parece um amuleto na parede da sala de aula. Ele está vivo em nós – se o deixamos viver – como legislador de cada lei humana e divina, pois toda ela é obra sua”, escreveu Chiara Lubich. Há, pois, uma beleza na vida do ser humano que pode nascer na cruz, mas que deve ir além dela. E que, naturalmente, transcende o objeto do crucifixo, porque – como afirma Chiara – se revela na vida daquela pessoa cuja fé a estimula superar as próprias dores por amor a Deus e ao semelhante e contribui para transformar a própria vida e a realidade política, econômica, social e cultural na qual esta se insere.
Não sou teólogo e, por isso, seria um atrevimento da maior parte querer teologizar sobre a cruz. Mas posso dizer, pela experiência de tantos cristãos autênticos que conheço que a paixão, morte e ressurreição de Cristo me falam sempre de transformação, de mudança. O grão de trigo que cai na terra e morre é aquele que dá fruto. O saber perder, o saber sacrificar-se pelo bem do outro, a capacidade de doar-se é o que dá início ao processo de mudança. Sem dúvida, implica riscos e, por vezes, pode significar uma experiência longa e bem dolorosa. Mas em Deus, a possibilidade de mudança é real.
Nesse sentido, me incomoda certa religiosidade excessivamente piedosa ou folclórica ou mítica, que acaba dando uma equivocada impressão sobre o sentido mais profundo da paixão de Cristo. Da mesma forma, me preocupa essa religiosidade privatista, que trata a cruz de Cristo como um amuleto, capaz de afastar toda dor e resolver nossos problemas pessoais. Esta, ao invés de favorecer a abertura ao processo de construção do Reino de Deus, de uma nova humanidade, tende a fechar o fiel em si mesmo. Além do mais, o que o Evangelho propõe não é o fim do sofrimento, mas a possibilidade de lhe atribuir um significado e de seguir a vida além dele.
Não é à toa que o papa Francisco tem conclamado à Igreja (portanto, a todo fiel cristão) para que “saia”, isto é, vá ao encontro do mundo, sobretudo daqueles que mais sofrem e que são justamente manifestação visível do Cristo crucificado. Não se trata de um empreendimento proselitista cujo propósito é trazer o mundo para dentro das estruturas da Igreja mediante a imposição de uma visão religiosa e cultural. Muito menos se trata de abrir trincheiras e se defender do mundo, considerado um inimigo a ser repelido. Mas sim do processo de transformação da realidade por meio do amor cotidiano e heroico, conforme a medida de Cristo.
O primeiro passo para compreender essa beleza que a cruz revela me parece ser o ato de fé em Deus como o verdadeiro autor de toda a transformação do ser humano que o conduz à felicidade plena. O segundo – a ser dado em cada momento presente do dia – é lançar-se a amar o próximo concretamente. De graça de Deus e dessa nossa pequena parte que nos é confiada depende nossa ressurreição cotidiana. E é essa plena ressurreição que nós da Agência de Notícias SIGNIS desejamos a você, amigo leitor! Feliz Páscoa!
Artigo publicado na edição de abril de 2017 da revista Cidade Nova e adaptado para o site da Agência de Notícias SIGNIS.

Luis Henrique Marques
Jornalista e editor-chefe das revistas Cidade Nova e Ekklesía Brasil, da Editora Cidade Nova. É mestre em comunicação e doutor em história pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e tem pós-doutorado em comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Foi secretário da Diretoria da SIGNIS Brasil no triênio 2020-2022 e editor-chefe da Agência SIGNIS. Blog profissional: prof-luis-marques.webnode.com
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