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Escuta, um aprendizado

Há 1 ano
Escuta, um aprendizado

Recentemente, durante uma homilia, um sacerdote africano (natural de Burkina Fasso) que costuma celebrar missa em uma das paróquias que tenho frequentado, disse algo sobre a sua cultura que me chamou a atenção: em seu país, até que complete 18 anos, os jovens não têm o direito de se manifestar publicamente, por exemplo, durante uma discussão em grupo. Eles devem aprender a ouvir e só depois que chegarem a essa idade, têm direito ao uso da palavra em público. 

Alguém poderia considerar radical ou conservadora demais essa regra de convivência social. Pode ser. Mas, olhando sob certa perspectiva, ela lança luz a respeito de uma questão fundamental em qualquer processo comunicativo, especialmente no âmbito das relações interpessoais: precisamos aprender a escutar. De fato, a julgar pelo contexto atual, está aí uma ação básica que parece que a maioria de nós não aprendeu ainda. Na verdade, com o advento das redes sociais, esse aprendizado tornou-se ainda mais distante. 

Com efeito, celebramos a possibilidade de nos manifestar, sem pedir licença, como uma condição básica para a democracia e para a própria convivência saudável em sociedade. Mas aprendemos também – e os trágicos fatos ocorridos há pouco tempo na capital federal atestam isso – que, se não sabemos como fazê-lo, colocamos tudo a perder, a começar pela própria democracia. As consequências, portanto, de quem não sabe escutar e compreender (o que não significa concordar) com o seu ou seus interlocutores costumam ser desastrosas. 

Ao mesmo tempo, esse elemento cultural da sociedade de Burkina Fasso, citado no início deste artigo, parece ensinar algo de valioso sobre a valorização da escuta. O fato de permanecer na condição de ouvinte de quem é mais velho, dá a oportunidade do jovem de tornar-se mais atento àquilo que ele escuta dos outros; permite-lhe saborear as palavras, refletir sobre elas, observar gestos, antes de se manifestar de forma impulsiva, o que, a propósito, é comum entre os mais jovens.

O que sugere ser uma violência contra a própria pessoa – e de certa forma é, porque exige dela silenciar-se – é também uma oportunidade de compreender profundamente o que o outro diz e, mais ainda, o que ele pensa e é. Em certa medida, essa postura pode favorecer a empatia na relação com os outros. Além disso, ao ouvir diferentes vozes sobre um mesmo assunto, a pessoa pode confrontar visões antes de fazer escolhas. 

Não é um exercício fácil como sabemos, em particular para os jovens das gerações mais novas. Mas suponho que é também um meio deles aprenderem a considerar o que os mais velhos têm a dizer, sobretudo em razão da experiência acumulada. E isso, em um mundo que vive sob certa “ditadura do imediato”, é muito valioso. Meu pai sempre brincava com os filhos: “um dia vocês também ficarão velhos”, o que significa que todas as pessoas, na velhice, esperam respeito e consideração por aquilo que são e pela experiência que acumularam, qualquer que seja.

Em uma sociedade ávida por manifestar-se, está cada vez mais claro, que precisa a “dar uns passos para trás” e aprender o que costumo dizer ser a primeira lição que qualquer músico aprende antes de tocar o seu instrumento: fazer (ou pedir) silêncio. As notas musicais ou a letra de uma canção só ecoam na mente e no coração das pessoas se há silêncio. Silenciar-se interiormente para colher do outro o que ele tem a dizer, por mais escandaloso que possa parecer ao nosso julgamento, é o primeiro passo para quem espera colher algum fruto de uma relação saudável, efetivamente dialógica. Agrego a esse processo de “escuta” o bom uso do tempo com a leitura, de onde, com frequência, costumamos colher boas ideias, informações e reflexões. Por fim, penso também aprenderíamos mais com os nossos irmãos de Burkina Fasso (a exemplo de outras culturas tradicionais) se nos dedicássemos um pouco mais à conversa in loco e gastássemos menos tempo com as redes sociais.

Sobre o autor

Luis Henrique Marques

Jornalista e editor-chefe das revistas Cidade Nova e Ekklesía Brasil, da Editora Cidade Nova. É mestre em comunicação e doutor em história pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e tem pós-doutorado em comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Foi secretário da Diretoria da SIGNIS Brasil no triênio 2020-2022 e editor-chefe da Agência SIGNIS. Blog profissional: prof-luis-marques.webnode.com