Os gritos do planeta fome

“Estamos com fome!” Esta frase não é o tipo de pedido, ou denúncia, que um atendente do 190 espera receber, principalmente se ela é dita por uma criança de 11 anos. O caso ganhou repercussão nacional e aconteceu nesta terça-feira, 2 de agosto, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
A situação de Miguel, seus irmãos e sua mãe Célia Arquimino Barros é apenas um dos retratos nesta triste realidade que não é só de um país que passa fome, mas de um “Planeta Fome”, como cantou Elza Soares no álbum homônimo lançado em 2019. Planeta fome foi a resposta que calou toda a plateia após zombar da forma como aquela menina estava vestida e que, aos 13 anos, cantou em público pela primeira vez na Rádio Tupi. Aquela garota pobre de tudo se tornou uma estrela e a voz do milênio.
Igual à Elza existem muitas meninas e meninos por aí. Para o “Menino” Miguel, e outros habitantes do planeta fome, a menina que veio deste mesmo planeta cantou que “é muito triste não ter casa, não ter pão”. Os habitantes do planeta fome sentem fome de muitas coisas, mas não deixam de alimentar seus sonhos, desejos e, também, necessidades e representam “o futuro da nação”.
O mais recente relatório da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) revela dados alarmantes sobre a situação da fome em nosso país e mostra que a insegurança alimentar se tornou ainda mais presente entre as famílias brasileiras.
O número de domicílios com moradores passando fome saltou de 9% (19,1 milhões de pessoas) para 15,5% (33,1 milhões de pessoas). São 14 milhões de novos brasileiros/as em situação de fome em pouco mais de um ano. Talvez você não soubesse precisamente os números da pesquisa, ou o percentual a que isso equivale em nossa população, mas já havia se dado conta da gravidade do problema ao correr o dedo e desbloquear a tela de seu celular, ou ligar seu televisor ou rádio, ou Alexa, em qualquer jornal.
Pensar globalmente e agir localmente, ao sair de casa, ao parar no sinal, ou chegar à sua igreja. Grandes problemas exigem valores simples como a solidariedade. O “País do Sonho”, mesmo num planeta fome, é “encontrar um país onde ser solidário seja um ato gentil”. Não podemos desistir. “eu prometo que vou encontrar e esse país vai chamar-se Brasil”.
Um Brasil que vem assistindo o desmonte das políticas públicas, a piora na crise econômica, o aumento das desigualdades sociais e outros reflexos acentuados pela arrastada pandemia da Covid-19 e pela incompetência de muitos governantes.
Ainda não podemos dizer “virei o jogo”, mas podemos com insistência repetir: “tenho proteção e meu coração sempre a me guiar, cada ocasião pede uma oração para confortar”. Portanto, se alguém do planeta fome, gritar perto de você, escute com o ouvido do coração, responda com as mãos abertas e eleve uma oração: “Senhor, dai pão a quem tem fome e fome de justiça a quem tem pão!”

Marcus Tullius
Mestrando em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas (PUC-Minas). Filósofo e publicitário. Coordenador geral da Pascom Brasil e membro do Grupo de Reflexão em Comunicação da CNBB. É autor do livro Esperançar: a missão do agente da Pastoral da Comunicação, pela Editora Paulus.
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