2022: a Fraternidade em Campanha pela Educação
A fraternidade em campanha é uma prática que vem desde 1964, quando a Igreja Católica deu vida à Campanha da Fraternidade (CF), buscando temas que favorecessem a conversão do coração e a vivência da solidariedade como compromisso de desenvolvimento fraterno.
A Educação já ocupou dois momentos específicos da campanha. Em 1982, foi a Fraternidade e Educação: “A verdade vos libertará” que apresentou a proposta de uma educação libertadora a serviço de uma sociedade fraterna, questionou o modelo de educação implementado no país, analisou o processo de educação em sua totalidade e seus principais elementos de abordagem, mostrando sobretudo, o fundamento cristão para a educação. Em 1998, foi a vez da Fraternidade e Educação: A serviço da vida e da esperança, direcionada a promover a formação de comunidades com identidades locais e regionais, apoiadas na fraternidade como processo educativo. Representou um estímulo à participação de uma cidadania ativa para uma sociedade justa e solidária e, em sentido mais amplo, os esforços para a erradicação do analfabetismo.
Em 2022, a 58ª Campanha da Fraternidade volta a refletir sobre a indispensável relação entre fraternidade e educação com o lema “Fala com sabedoria, ensina com amor”, (Pr 31,26). Retomando a conexão com a Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021, quer estender diálogos com a experiência educativa brasileira, propondo caminhos para um humanismo integral. A educação é assim apresentada como projeto de vida pessoal e de sociedade, que tem como horizonte o Pacto Educativo Global, lançado em 15 de outubro de 2020 pelo papa Francisco, quando convocou as pessoas, as instituições, as igrejas e os governos a priorizarem uma educação humanista e solidária.
Ao apresentar a escolha do tema, a presidência da CNBB esclareceu que esse vai ao encontro da realidade desafiadora que se vive no Brasil e no mundo: “Redescobrir caminhos para uma reconstrução que não é parcial, mas global; [...] que deve chegar às raízes do modo como pessoas e povos compreendem e organizam a totalidade da vida”.
Consciente que não é possível esgotar no pequeno espaço de um artigo, a riqueza de um tema tão amplo, assim como um documento elaborado por uma equipe multidisciplinar de profissionais da área, assessores e bispos, apresentaremos ora uma breve visão panorâmica do tema, a partir do Texto-Base da Campanha da Fraternidade – CF 2022.
Nosso ponto de partida é a concepção que a CF 2022 não oferece soluções mágicas e, mais do que abordar aspectos específicos da problemática educacional, nos convoca a refletir sobre os fundamentos do ato de educar, a alargar o horizonte da nossa compreensão a respeito da educação e perguntar-nos sobre os motivos, a abrangência e as metas do processo educativo.
Nessa direção, a educação é um indispensável serviço à vida, à vivência da fraternidade. Portanto, torna-se o esteio para o cuidado dialogal nas relações interpessoais, para o compromisso socioambiental; leva-nos para a redescoberta das motivações mais profundas ao próprio ato de educar. E, conforme o pensamento do papa Francisco, caracteriza-se por ser uma educação humanizada, que contribui para a formação de pessoas abertas, integradas e interligadas, capazes de cuidar da casa comum, pois “a educação será ineficaz e estéril se não difundir um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e a relação com a natureza, se não construir a fraternidade na justiça e na paz”.
Sob esse prisma, a educação é tornar a pessoa consciente para que seja sempre mais sujeito de seus sentimentos, pensamentos e ações. Não pode se reduzir apenas à transmissão de conhecimentos; isso vale para crianças e adultos. Portanto, abrem-se duas lições sobre o ato de educar à luz da Palavra de Deus: o valor da pessoa como princípio da educação e a orientação para uma vida transformada à luz da verdade.
O objetivo geral da CF 2022 está bem delineado: “Promover diálogos a partir da realidade educativa do Brasil, à luz da fé cristã, propondo caminhos em favor do humanismo integral e solidário”, tornando-se específico em sete objetivos: analisar o contexto da educação atual com os desafios potencializados pela pandemia; verificar as políticas públicas da educação; identificar os valores e referências da Palavra de Deus e da Tradição cristã; pensar o papel da família; incentivar propostas educativas que promovam a dignidade humana, a cultura do encontro, o cuidado da casa comum; estimular a organização do serviço pastoral e promover uma educação comprometida com novas formas de economia, política e o progresso dos mais pobres.
Qual é o caminho a percorrer? O método é o “Ver-Julgar-Agir”, que se torna, segundo a pedagogia do papa Francisco, “Escutar- Discernir- Agir”.
Escutar é um ato fundamental. Supõe proximidade, é condição para as relações e para a compreensão do que estamos vivendo e dos caminhos que devemos tomar. A realidade fala por meio dos acontecimentos, das tendências e tensões sociais, dos gritos e silêncios. Urge, então, uma escuta integral, que ao escutar o “todo” não se perde diante de “tudo” que traz o excesso de informações verdadeiras e falsas.
Nesse “escutar”, se impõe a exigência de enfrentar os efeitos da pandemia em seus diversos aspectos: saúde, política, economia, cultura e a própria escolarização. Ao mesmo tempo, é necessário elaborar um percurso pedagógico para aprender com tudo o que foi vivido e construir a nova realidade, porque educar não é um ato isolado e implica em criar projeto de vida articulado com um projeto de sociedade. Nas palavras do papa Francisco na Fratelli tutti: “Precisamos nos construir como um ‘nós’ que habita a casa comum” (FT, 16-17). A nova realidade nascerá da nossa capacidade de cooperação.
Vem então o “discernir” o que escutamos na realidade, para transformar em princípios de ação. Os desafios que a pandemia de Covid-19 nos revelam de nós mesmos, da realidade educativa, os impactos nas políticas públicas de educação; o que aprendemos com Jesus Cristo, o mestre educador que pode ser aplicado. Discernir para tomar decisões: o que desejamos reafirmar e o que precisamos modificar.
No contexto da CF 2022, o “discernir” se inicia com o exemplo de “Jesus, mestre educador”, e sua pedagogia relacional e libertadora, seguido pelo testemunho dos “discípulos missionários educadores”, dos primeiros séculos do cristianismo que difundiam a pedagogia do amor, do diálogo. A igreja primitiva percebeu a educação como elemento essencial da missão e a tarefa educativa aparece nos lugares onde é pregado o Evangelho. A “Didaqué”, com efeito, se tornou um instrumento para a educação da fé assumida pela família, que se interligou com a formação humana das crianças, e surgiram então as escolas cristãs e os professores com a tarefa de colaborar diretamente na formação integral da pessoa.
Um enfoque importante é dado à antropologia positiva e integral do ser humano como ser responsável por si mesmo e pelo mundo, em sua dimensão singular de corporeidade e abertura à transcendência, que não pode ser instrumentalizada ou reduzida a modelos ou tipos ideológicos. Valoriza-se o papel fundamental da família, espaço privilegiado onde o convívio com as diversas gerações, seus dons e conflitos tornam-se processo educativo oportuno e escola de sociabilidade.
Ao reafirmar a educação como direito universal para todos, se alinha a proposta do Pacto Educativo Global do papa Francisco que convoca família, sociedade e Estado para abraçar a causa da Educação, e os critérios que colocam a pessoa, sua dignidade e capacidade de estar em relação, como centro de cada processo educativo.
A proposição de “educar na fé” tem o enfoque de fazer descobrir o sentido profundo do encontro com Cristo, entrar em intimidade, em comunhão. Este desafio complexo se transmite através do testemunho pessoal, do anuncio do querigma, e da ação missionária da comunidade.
Outro enfoque é “educar para o diálogo”, atitude fundamental para estabelecer relações saudavelmente humanizadas. Provocar o diálogo como cultura, capaz de encontrar soluções para superar a intolerância e reconhecer o que deve ser respeitado. E enfim, “educar para o belo, o bom, o verdadeiro” que supera as relações de utilidade, o poder da técnica e toda visão reducionista do ser humano e abre para a plenitude da vida.
Por fim, como consequência, vem o “agir”, a tomada de posição. Qual é o princípio de atuação para o caminho educativo dessa mudança de época, que se faz época em mudança? O testemunho de um novo aprendizado: educar com sabedoria e amor, estimular o cuidado pela vida e para que cada pessoa ofereça o melhor de si a Deus, ao próximo, à Igreja, à sociedade. Educar é um ato de esperança no ser humano.
São invocadas a criatividade e a responsabilidade, pessoas disponíveis ao serviço e à renovação do pacto educativo entre as gerações, a começar pela família, e, em seguida vêm as instituições escolares e acadêmicas, que se põem ao lado, em subsidiariedade. A educação humanizada oferece lugares de encontro e debate para realizar os projetos educativos que promovem a riqueza e a diversidade dos talentos individuais para gerar solidariedade, partilha, comunhão e iniciar processos de compromisso pelo bem comum pela transformação da sociedade. É preciso a “Aldeia inteira” para educar e, portanto, precisamos unir forças; redescobrir meios que favoreçam processos criativos para que ninguém seja excluído do projeto educativo integral. Todos somos educadores e educandos.
Como disse antes, o tema não se esgota, a começar pelo Texto-base. O fato importante é que a CF 2022 nos instiga a um momento de potencial aprendizagem, grande escuta, discernimento e ação orgânica em que se poderá iniciar bons processos, com o olhar dirigido a todos os atores do mundo da educação.
Em mim, a abordagem da CF 2022 despertou muita esperança, pois somos guiados pelo mestre educador e percorremos o caminho da fé em que Maria, a mãe educadora, pode nos revestir de coragem para a ousadia de educar.
Arigo originalmente publicado na edição n. 3 da revista Ekklesía Brasil, da Editora Cidade Nova, 2021, p. 47-50.
Maria Auxiliadora de Matos Luna (Dorinha Luna)
Membro do Movimento dos Focolares, é pedagoga, graduada em teologia pelo Instituto de Filosofia e Teologia de Recife (IFTAOR), com especialização em Teologia e Cultura pela Faculdade Unileya. É professora de Educação para a Paz e Ensino Religioso na Escola Santa Maria, em Igarassu (PE).
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