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Tolerância zero aos abusos contra crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis

Há 2 anos
Os menores fazem parte de um dos grupos de pessoas vulneráveis sujeitas a abusos sexuais, de poder e consciência
Os menores fazem parte de um dos grupos de pessoas vulneráveis sujeitas a abusos sexuais, de poder e consciência (foto por Revista Cidade Nova/ Serghei - Adobe Stock)

CUIDADO - Sob orientação da Igreja, Movimento dos Focolares trabalha na proteção daqueles que estão sujeitos à violência sexual, moral e de poder

             “Um membro sofre? Todos os membros sofrem com ele” (Co 12,26). Com essas palavras do apóstolo Paulo, o papa Francisco inicia a sua “Carta ao Povo de Deus”, publicada na cidade do Vaticano em 20 de agosto de 2018, na qual se reporta às vitimas de abuso sexual, de poder e de consciência, cujas feridas “nunca prescrevem”, afirmando que “se no passado a omissão pôde tornar-se uma forma de resposta, hoje queremos que seja a solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, a tornar-se o nosso modo de fazer a história do presente e do futuro, num âmbito onde os conflitos, tensões e, especialmente, as vítimas de todo o tipo de abuso possam encontrar uma mão estendida que as proteja e resgate da sua dor (exortação apostólica Evangelii gaudium, 228)”. E conclui: “é imperativo que nós, como Igreja, possamos reconhecer e condenar, com dor e vergonha, as atrocidades cometidas por pessoas consagradas, clérigos, e inclusive por todos aqueles que tinham a missão de assistir e cuidar dos mais vulneráveis.”

            Da mesma forma, há alguns anos, o Movimento dos Focolares se dedica ao desenvolvimento de estruturas, regras e procedimentos que aperfeiçoem a garantia dos direitos fundamentais de crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis confiadas aos seus programas.  O pensamento dos últimos papas, bem como as indicações sugeridas pelo papa Francisco à Igreja, inspiraram e conduziram os trabalhos que culminaram  na  publicação, em abril de 2014,  das “Diretrizes do Movimento dos Focolares para a Promoção do Bem- Estar e a Proteção de Menores”, bem como, em 2015, da constituição da comissão internacional  da Comissão para a Promoção do Bem-Estar e a Proteção de Menores (CO.BE.TU.), cuja finalidade é proteger os mais vulneráveis, mas igualmente promover  atividades de formação dos seus membros, prevalecendo sempre a linha de tolerância zero em relação a qualquer tipo de violência. Em vários países, foram criadas comissões locais com a mesma finalidade, constituídas por pessoas qualificadas e especializadas em várias ciências, como a Psicologia, a Teologia, a Pedagogia, o Direito, o Serviço Social, entre outras.

            No caso do Brasil, foram elaboradas e acham-se em pleno vigor as “Diretrizes do Movimento dos Focolares para a Proteção Integral de Crianças, Adolescentes e Pessoas Vulneráveis”. Com a finalidade de proporcionar maior compreensão sobre o tema e  facilitar o acesso  ao conteúdo desse documento oficial, tornando-o útil e funcional, redigiu-se o “Manual Prático para a Proteção Integral de Crianças, Adolescentes e Pessoas Vulneráveis do Movimento dos Focolares no Brasil”.

            Da mesma forma que foi criada a comissão central italiana, temos no Brasil a Copac (Comissão Nacional para a Proteção Integral de Crianças, Adolescentes e Pessoas Vulneráveis do Movimento dos Focolares), concebida pelos dirigentes do Movimento e autorizada a atuar em território nacional, constituída por uma equipe multidisciplinar de advogados, psicólogos, moralista e assistente social, apta a corresponder à confiança que lhe foi depositada ante o desafio de proteger crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis.

A comissão, em plena cooperação e estreita colaboração com os responsáveis e com as instâncias educacionais do Movimento, possui uma dupla finalidade. Em primeiro lugar, implementar as iniciativas mais adequadas destinadas a formar os membros da Obra, especialmente aqueles que realizam atividades com crianças e adolescentes. Esses profissionais devem ser portadores de comprovada maturidade e equilíbrio, exigindo-se que tenham participado de um curso preparatório de pelo menos seis horas. O tema da proteção integral e da garantia dos direitos fundamentais abordado nos cursos observará as diretrizes eclesiásticas, analisando-as sob a ótica jurídica, psicológica e familiar. Por fim, com a assinatura de uma declaração que os habilite ao trabalho e a expressa declaração escrita de não terem sido condenados criminalmente, estarão capacitados para a função de adultos/assistentes animadores.

A segunda finalidade da Copac decorre da obrigação jurídica e do dever moral que cabe aos responsáveis pelo Movimento dos Focolares de denunciar, interna e externamente, o conhecimento ou a suspeita de qualquer forma de abuso contra crianças, adolescentes ou pessoas vulneráveis, como também de qualquer situação em que se constate que esses estejam sofrendo constrangimento ou abandono. Há uma relação de encarregados da Copac presentes nos vários estados da federação capacitados a receber as eventuais denúncias de abusos e encaminhá-las à Copac, objetivando a instauração e apuração dos respectivos procedimentos investigatórios.

A documentação que rege o trabalho da comissão estabelece que, em caso de  instauração de procedimentos internos, presididos por um membro da Copac, nos quais a vítima e o denunciado são ouvidos e os depoimentos transcritos, é assegurada a participação de advogado nesse contraditório. Poderão ser arroladas testemunhas e apresentados documentos. No fim, o presidente do procedimento elabora um relatório conclusivo, que é submetido aos demais membros da Copac e, se aprovado, encaminhado para a CO.BE.TU. na Itália, a qual dará o seu parecer enviando-o em seguida à sessão do Movimento a que pertence o denunciado para o desfecho do procedimento. Esse parecer final poderá ter duas destinações, a improcedência da denúncia e do respectivo procedimento ou a demissão do membro do Movimento.

Além dos procedimentos internos, os documentos fixam procedimentos externos, previstos na nossa legislação, dado que “qualquer pessoa” que tenha conhecimento ou presencie ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que constitua violência contra criança ou adolescente, “tem o dever de comunicar o fato imediatamente ao serviço de recebimento e monitoramento de denúncias, ao Conselho Tutelar ou à autoridade policial, os quais, por sua vez, cientificarão imediatamente o Ministério Público” (Lei nº 13.431/2017).

Recordamos as palavras da atual presidente do Movimento dos Focolares Margaret Karram e do copresidente Jesús Moran, em carta dirigida a todos os membros do Movimento em 30 de junho de 2021, na qual se reportam ao documento final da Assembleia Geral: “Empenhamo-nos em fortalecer tudo o que foi realizado na prevenção de toda forma de abuso físico, sexual, de poder e de consciência. Às vítimas, pedimos perdão e asseguramos o nosso total apoio, reconhecendo, com profunda dor, todas as situações nas quais não pudemos protegê-las. Empenhamo-nos a promover ainda mais uma cultura de prevenção e promoção do bem-estar de cada pessoa, com uma formação adequada e uma comunicação transparente”.

Por fim, na sua carta apostólica sob a forma de Motu proprio, datada de 26 de março de 2019, afirma o papa Francisco que “a tutela dos menores e das pessoas vulneráveis faz parte integrante da mensagem evangélica que a Igreja e todos os seus membros são chamados a espalhar no mundo. De fato, o próprio Cristo confiou-nos o cuidado e a proteção dos mais pequeninos e indefesos: ‘Quem receber um menino como este, em meu nome, é a mim que recebe’ (Mt 18,5).”

Artigo publicado originalmente na edição de novembro de 2021 da revista Cidade Nova.

 

Sobre o autor

Munir Cury

O autor é procurador da Justiça aposentado do Ministério Público do Estado de São Paulo, um dos autores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e membro do Movimento dos Focolares